Edit Template

Entrevista (Parte III), à Professora Paula Cabral

“Ser professor implica a capacidade de abrir caminhos através da palavra e isso fazer sentido aos alunos, dar-lhes razão de viver, ajudando-os a estruturar a sua vida interior, a construir sonhos, a consolidar mundividências, a possibilidade de os acompanhar no seu percurso de crescimento como pessoas e como participantes na sociedade do futuro. Esta é a dimensão que mais valorizo, mas sinto, tantas vezes, que está a faltar tempo para fazermos este diálogo.”, afirma a Professora Paula Cabral.

É com muito gosto que publicamos, nesta Edição do Jornal “Diário dos Açores”, a Parte III (e última, pelo menos desta série) da Entrevista à Professora Paula Cabral. Uma Entrevista, agora, na íntegra, para ler, meditar e integrar, de modo reflexivo, nas dinâmicas educativas, num sentido micro (sala de aula), no sentido meso (escola) e num sentido macro (comunidade extra-escolar ou em sentido amplo e alargado). Uma Entrevista que constitui um Documento, de manifesta importância, eventualmente a compilar num livro coletivo.
A Parte I da referida Entrevista foi publicada na Edição do passado dia 03, deste mês de maio de 2024. A Parte II da referida Entrevista foi publicada na Edição do passado dia 10, deste mês de maio de 2024. Nesta Edição publicamos, de 17 de maio de 2024, publicamos a Parte III da Entrevista, ficando, assim, publicada, na íntegra, devidamente assinalada, para ajudar o leitor, interessado, nas respetivas localizações e datas de publicação.
E assim se faz Educação, em Teoria e Prática, em Praxis (Paulo Freire), em interação, em reflexão e investigação-formação.
O nosso Obrigado à Professora Paula Cabral que, com esta Entrevista, publicada, em unidade em três partes, deu um contributo de elevado valor educacional, cultural e científico, para benefício de todos os agentes educativos e do sistema educativo e escolar. Urge, sempre e sempre, pensar e agir em Educação, com Discernimento, com fundamentação. É Tempo de voltarmos, também, ao sentido sistémico da Educação (tudo está relacionado com tudo) e à importância, decisiva, dos Fundamentos. Se não indagarmos o porquê e as razões não descobrimos o Sentido do Caminho e do Caminhar, das finalidades (do para quê), do para quem, na perspetiva do Horizonte da Vida.

                    Emanuel Oliveira Medeiros 

(Continuação e final da Entrevista)

8- Considera que a escola é mais uma organização com projetos formais e burocráticos ou uma comunidade para aprender e para que cada agente educativo se desenvolver nas suas várias dimensões?
Já não sei responder a isso. Neste momento, a escola está tão “formalista” que não sei se este desenvolvimento em todas as dimensões se concretiza.
A escola reflete a sociedade. Numa sociedade cada vez mais materialista, apressada, é tudo muito frívolo, muito superficial. Atualmente, tenho dificuldade em manter um debate mais profundo sobre qualquer tema dentro da sala de aula, sobretudo no 3º ciclo. Os exames no final dos ciclos exercem uma enorme pressão sobre o sistema, pelo que os conteúdos têm de ser dados e os programas cumpridos, mesmo que digam que se deve respeitar os ritmos de cada um.
A burocracia nas escolas vem nesta mesma senda. A obsessão por registar tudo o que se faz para mostrar trabalho ou para as estatísticas é próprio desta tendência frívola das aparências e da cosmética. A burocracia impossibilita a poesia e a criatividade. Além disto, é resultado da desconfiança em relação ao professor. O professor perdeu a autoridade da palavra, a gravitas, o respeito da tutela e da sociedade, logo a burocracia, para justificar o que professor faz ou deixa de fazer, serve como salvaguarda para tudo. Por outro lado, os alunos são cada vez mais desresponsabilizados dos seus deveres, carregando sempre o professor com o ónus do problema. Quanto menos o aluno quer fazer, mais papelada tem o professor de preencher, um contrassenso e um incentivo à desmotivação.

9- Como vê a colaboração, ou não, dos pais e encarregados de educação com a Escola, desde logo através do/a Diretor/a de Turma?
É essencial. Há, contudo, pouco equilíbrio nesta desejada colaboração. Há pais que não aparecem e há outros que aparecem com todo o tipo de queixas e interferências sem sentido. Há de tudo. O ideal é sempre o equilíbrio e cada uma das partes deve fazer o que lhe compete na sua esfera de ação.

10 – Temos verificado sucessivas reformas e reorganizações curriculares e/ou programáticas. Como avalia esse facto, em geral, e, de modo específico, na Língua Portuguesa e/ou Português?
Já sou professora há 33 anos e já assisti a um sem número de reformas no sistema de ensino e até na própria língua, com o acordo ortográfico e com a alteração da gramática. Esta instabilidade só é prejudicial, perdendo-se, muitas vezes, a objetividade e a razoabilidade no processo.
Cada governo quer deixar a sua marca, fazendo das salas de aula laboratórios de experiência e dos jovens cobaias. Não é bem uma reforma, mas este ímpeto da digitalização das escolas é mais um desastre, pelo menos na minha disciplina. Como se pode estudar obras literárias sem ter os livros físicos à frente? Os alunos queixam-se que não conseguem tirar notas com agilidade, às vezes, o computador não grava, a net falha, não conseguem sublinhar, “puxam” atrás e à frente, desorientam-se… enfim, sentir o texto é também passar as mãos sobre ele, manipulá-lo inteiro à nossa frente, riscá-lo, tomar notas à margem. Confesso que não sei como eles estudam.
Aprecio a ideia de todos os alunos terem um computador, que é extremamente necessário como recurso atualmente. É indispensável. Os manuais, contudo, devem continuar a ser físicos, pelo menos em Português.

11- Do seu ponto de vista, ensina-se mais a língua ou a literatura? Não é desejável ensinar as duas em conjunto? Por exemplo, como despertar para a beleza da poesia, dissecando os poemas?
No 3º ciclo, há muita preocupação com a consolidação do domínio da língua, pois ainda estamos num ciclo básico. Só a partir do 9º ano é que o estudo da literatura é mais consistente, com a leitura integral do Auto da Barca do Inferno ou o Auto da índia e com vários episódios d’ Os Lusíadas.
Como já referi anteriormente, penso que é muito cedo para introduzir estes autores, dada a sua complexidade e o seu contexto histórico. Devíamos introduzir os alunos no estudo da literatura com obras mais contemporâneas, até pelo uso do português atual. Ora, se os alunos são pouco maduros, têm falta de vocabulário e manifestam cada vez mais dificuldades até ao nível da compreensão do texto, nem falo da interpretação, não seria mais razoável introduzir os clássicos mais tarde? Até porque voltamos a Gil Vicente e a Camões no 10º ano.
A poesia então é sempre um suplício para a maioria dos alunos do 3º ciclo, principalmente dos 7º e 8º anos. A seleção de poemas dos programas também não ajuda. A poesia é cada vez mais incompreendida, daí procurar sensibilizar os alunos para a sua dimensão humana e bela. Como uma mensagem pode ser dita de forma tão bela e sugestiva? Cada poema é um monumento para apreciar, como um edifício arquitetónico belo, ou como uma pintura, uma música. Cada poema é um segredo que eles têm de desvendar. Tenho atualmente alunas do 9º ano que me têm dado poemas da sua autoria para corrigir! Considero uma grande conquista.

12- É possível a escola ser “inclusiva”? Esse é o melhor adjetivo para qualificar essa finalidade? O que pensa também da Educação e ensino especial?
Bom, não sei bem o que significa esta adjetivação. A escola é inclusiva por natureza, faz parte do seu conceito. A adoção deste adjetivo quer dizer que a escola não era inclusiva?… Todos os alunos são bem-vindos e acolhidos com os mesmos princípios de igualdade, independentemente da sua origem social, nacionalidade, religião, género ou orientação sexual. A escola a todos respeita e ensina a respeitar. No que toca às capacidades de cada um, a escola procura suprir as dificuldades, seguindo estratégias adequadas à singularidade de cada caso. E aí é que reside o grande desafio. Numa escola massificada, com alunos com tantas necessidades específicas, como acudir a todos? Não basta decretar que é inclusiva, é preciso muitos recursos humanos e a convergência de várias áreas de ação. As escolas não dispõem, na maioria da vezes, desses recursos nem os professores têm de ser profissionais no que não são.
Na minha opinião, quando os alunos revelam pouco interesse para prosseguir estudos e um perfil mais pragmático, então devem ser encaminhados para cursos profissionais, sem serem estigmatizados por isso. Portanto, a via profissional deve ser valorizada e prestigiada, como, de resto, já foi na nossa Região.
Penso que o GRA tem vindo a reinvestir nesta área, o que é fundamental para reverter os tais índices de insucesso escolar nos Açores.

13- Para si, o que Ser Professor/a?
14- Para si, o que é uma Escola?
(13/14) – Ser professor implica a capacidade de abrir caminhos através da palavra e isso fazer sentido aos alunos, dar-lhes razão de viver, ajudando-os a estruturar a sua vida interior, a construir sonhos, a consolidar mundividências, a possibilidade de os acompanhar no seu percurso de crescimento como pessoas e como participantes na sociedade do futuro. Esta é a dimensão que mais valorizo, mas sinto, tantas vezes, que está a faltar tempo para fazermos este diálogo. Porque este tempo tem de ser justificado. É errado pensar que um professor tem autonomia. É uma autonomia muito relativa. Porque tem um grupo de trabalho, acompanhando um ritmo a par e passo, porque tem um departamento com um conjunto de critérios iguais para todos, porque, se se foge, há escrutínio dos pais, porque temos uma lista de conteúdos para lecionar e dos quais temos de dar conta nos exames, porque há um sem número de formalidades de avaliação a cumprir e que estão instituídas.
Os desafios da escola são hoje muito ambiciosos. Um professor tem de tomar consciência de que nem tudo está ao seu alcance e tem de aprender a lidar com isto. De outro modo, deixa-se arrastar pelo caminho da frustração.

Emanuel Oliveira Medeiros
Professor Universitário*

*Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia da Educação

Edit Template
Notícias Recentes
Governo activa regime de apoio á emergência climática
Alexandre Gaudêncio destaca importância do XX Concurso Micaelense da Raça Holstein Frísia
Câmara da Lagoa apresenta ópera “Suor Angelica”
Carreiras dos farmacêuticos no Parlamento
República financia captação de águana Praia da Vitória
Notícia Anterior
Proxima Notícia

Copyright 2023 Diário dos Açores