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A Autonomia também falha

Os discursos proferidos pelo Presidente do Governo, José Manuel Bolieiro, pelo Presidente da Assembleia Regional, Luís Garcia, e pelos partidos políticos, no Dia dos Açores, na passada segunda-feira, foram muito oportunos, com avisos realistas e alertas sobre a falta da solidariedade nacional nos últimos anos, levando aos “desleixos” do Estado, muito bem referidos pelo chefe do executivo.
O problema é que, depois dos diagnósticos bem feitos, passar à prática é o cabo dos trabalhos.
Reconhecer que ainda há muitas ilhas e populações a viver com dificuldades, fica bem a qualquer político e corresponde à visão realista de que muito se fez neste meio século de Autonomia Constitucional, mas também muito se falhou nesta caminhada de uma geração inteira.
Faz agora oito anos que escrevemos o mesmo a propósito do discurso da Presidente do parlamento de então, Ana Luís, agora agraciada com a mais alta insígnia autonómica.
Dizia ela que, “não descuidando as nossas competências legislativas e institucionais, este é também o tempo para, em conjunto com os nossos concidadãos, percebermos o que falhou pelo caminho, onde é que a comunicação foi enviesada e restabelecermos os laços que devem basear uma relação de confiança e respeito entre eleitos e eleitores”.
Pouco se tem feito para ganhar a confiança dos eleitores e muitos dos nossos políticos deram mais um sinal desastroso ao não renunciar mais cedo aos seus alojamentos na Horta, que iam pondo na rua os doentes do HDES ali deslocados.
Atitudes como esta, felizmente resolvida com bom senso, são combustível para os populistas.
Não é justo reconhecer os erros ou as falhas em dia de discursos, mas depois, na prática, ignorar os sinais de descontentamento da cidadania.
Os Açores têm um longo caminho para traçar e ele só se faz com as populações.
Ora, o Presidente da Assembleia chamou a atenção, no seu discurso muito oportuno, para um problema que vai causar atrasos ao nosso desenvolvimento: a perda de população.
Os 10 mil açorianos que abandonaram a região na última década é um alerta grave de que muita gente está insatisfeita nas suas ilhas e vai procurar um futuro noutras paragens.
Aos anos que escrevemos vários alertas sobre esta hemorragia demográfica, a que o Conselho Económico e Social dos Açores também colocou, desde a primeira hora, na sua agenda.
É urgente reflectir sobre o fenómeno e criar medidas mais arrojadas para reter as populações nas suas ilhas, especialmente os jovens.
O demógrafo Paulo Machado, numa entrevista que concedeu já há algum tempo ao “Diário dos Açores”, explicava minuciosamente o quão grave é o caminho que estamos a trilhar, caso não o enfrentássemos com carácter de emergência.
É que estamos a perder população não só por via do saldo migratório, mas também pelo saldo natural.
A taxa de fecundidade nos Açores já foi a mais alta do país (43% em 2011, 38% para Portugal), mas no espaço de uma década demos um trambolhão para os 34,5% em 2020, enquanto Portugal nos ultrapassou com 37,2%.
A consequência disto foi a rápida queda da idade média ao nascimento do primeiro filho nos Açores, que numa década subiu quase três anos, mais do que a média em Portugal.
A idade média da mãe açoriana ao nascimento do primeiro filho era de 26,9 anos em 2011, passando em 2020 para 29,4 anos (de 29,2 para 30,7 em Portugal).
Daí o alerta do especialista Paulo Machado, para o facto de, no futuro, a manter-se este cenário, vamos ter na nossa região uma população mais envelhecida (na base e no topo da sua estrutura), com reflexos na população activa.
Não é por acaso que se fala, há muito tempo, do perigo de desertificação de várias ilhas, com um sangramento populacional que já não terá retorno.
Como diz, muito bem, o Presidente da Associação Portuguesa de Demografia, vamos assistir na nossa região, daqui para a frente, a uma recessão demográfica, que se vai agravar se não houver mudanças sociais profundas.
Como ele diz, pequenos paliativos não resolvem nada, e as ajudas financeiras propostas em tempos no parlamento açoriano para quem tiver bebés, não passam mesmo de paliativos, como também alertamos aqui na altura.
Podem ajudar, mas não resolvem, pelo que há que olhar para outras medidas mais profundas, como o mercado de trabalho e da habitação, adoptando-se ainda medidas de conciliação de família e trabalho.
De facto, a precariedade é a pior inimiga da natalidade, como também alertam os especialistas.
Não é por acaso que os relatórios sobre pobreza e desigualdade, como o último que saiu na semana passada, nos colocam cada vez mais no fundo da tabela.
É preciso criar um forte movimento junto das instituições regionais, no sentido de mobilizar os decisores para o problema e criar fórmulas que ajudem a uma robusta política de natalidade e, acima de tudo, criar condições de bem-estar a toda a população, para que não seja obrigada a emigrar.
Luís Garcia esteve muito bem ao alertar na cerimónia do Dia da Região para a necessidade urgente de abordar o desafio demográfico da Região, considerando-o “uma questão crítica que merece a nossa atenção prioritária”.
O Presidente do parlamento tem uma leitura realista do que se está a passar na nossa região, apelando, por isso, à necessidade urgente de se “desenvolver soluções que invertam esta tendência e incentivem à fixação e atração de pessoas para a nossa Região”, referindo-se particularmente aos mais jovens e aos mais qualificados, sublinhando que “este é um problema de todos nós”, e, por isso, “impõe uma ação articulada de todos os agentes e promotores do desenvolvimento”, quer na definição, quer na implementação de políticas que promovam a coesão territorial.
Se há falhanços na nossa caminhada autonómica, como foi lembrado na cerimónia do Dia da Região, este é um deles.
Enquanto continuarmos a assistir à emigração de famílias açorianas, é sinal de que a Autonomia está a falhar.

Osvaldo Cabral
[email protected]

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