O Governo da República assumiu a comparticipação de 85% dos custos com a reabilitação do Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, que foi atingido por um incêndio e ficou inoperacional, anunciou o Presidente do Governo dos Açores.
“Está assumida, pelo Governo da República, designadamente pelo Primeiro-ministro, a solidária comparticipação nos custos da operação imediata e futura no Hospital do Divino Espírito Santo: 85% de comparticipação, e respectivo adiantamento este ano, do que for estimado [em relação] aos custos, a pagar até final do corrente ano”, afirmou José Manuel Bolieiro.
O líder do Executivo regional, que discursava na sessão solene do Dia dos Açores, na sede da Assembleia Legislativa da Região Autónoma, na cidade faialense da Horta, alertou que a retoma da maior unidade se saúde do arquipélago, situada na ilha de São Miguel, “será lenta e gradual, porque tem de ser segura”.
“Temos todos um grande desafio pela nossa frente: restabelecer todos os cuidados de saúde de que os micaelenses, em especial, mas todos os açorianos, em geral, necessitam e que eram prestados pelo Hospital do Divino Espírito Santo, e fazê-lo à medida do que o futuro já requer. Sei que venceremos este desafio”, afirmou.
Bolieiro lembrou que nos anos de 2020, 2021 e 2022 a Região foi confrontada com a resolução da crise global causada pela pandemia por covid-19 e, ainda em 2022, enfrentou a crise sísmica na ilha de São Jorge.
“Agora, no Sábado do Santo Cristo dos Milagres [dia 4 de Maio], fomos agredidos com mais este infortúnio. Ficámos sem o Hospital do Divino Espírito Santo. Mais uma vez fomos serenos e resilientes na ação. E estamos gradualmente a recuperar a prestação dos cuidados de saúde a quem precisa”, sublinhou.
O chefe do Governo referiu que se vive também, no contexto internacional, uma “era conturbada, com guerras e consequentes crises económicas e financeiras”.
“Todas estas contrariedades exigem de nós serenidade, consistência nas políticas, resiliência na acção, compreensão e estabilidade de inteligência emocional, estabilidades política, governativa e social”, admitiu.
Bolieiro denuncia “desleixos”
do Estado
O Presidente do Governo dos Açores disse, também no seu discurso, que persistem “incumprimentos e desleixos” do Estado em relação a obrigações para com a Região, que “não começam nem terminam” com as transferências das verbas do Orçamento do Estado.
“Volto a afirmar agora, de novo pelos Açores, que as obrigações do Estado para com os açorianos não começam nem terminam com as transferências anuais de verbas do Orçamento do Estado para o Orçamento Regional. Só se cumprem se o Estado garantir que todos os cidadãos são tratados com igualdade pelo Estado, possibilitando-lhes as mesmas oportunidades, independentemente do seu local de residência”, afirmou José Manuel Bolieiro.
Na sua intervenção, reconheceu como positivos os sinais deixados pela Ministra da Juventude e Modernização e pela Ministra da Saúde nas visitas que fizeram recentemente à região.
“A disponibilidade para [a República] apoiar a recuperação e renovação do Hospital Divino Espírito Santo e o entendimento que a Ministra da Saúde demonstrou ter sobre as responsabilidades do Serviço Nacional de Saúde relativamente a todo o território nacional são factos muito relevantes. Mas é oportuno alertar que persistem incumprimentos e desleixos do Estado em relação a obrigações para com os Açores e os açorianos, que nos estão a penalizar fortemente”, afirmou.
O chefe do Governo açoriano referiu que “é justo, neste curto período de vigência, não o fazer como denúncia e crítica à omissão, mas como alerta vigilante ao novo Governo da República”.
No seu discurso, deu alguns exemplos como os pagamentos que o Estado assumiu no quadro da reconstrução do porto das Flores, destruído pelo furacão Lorenzo, que “ainda não foram concretizados no seu valor devido”.
Também apontou os processos relativos à indemnização devida na sequência das obrigações de serviço público de transporte aéreo de passageiros e carga, ao subsídio de mobilidade e à substituição dos cabos submarinos de fibra óptica, que “têm de passar a ser tratados em tempo e em ritmo que não desrespeitem” os direitos e não exponham a Região a “riscos de isolamento que seriam insuportáveis”.
O Estado deve ainda cumprir com a Universidade dos Açores “num quadro legal de financiamento regular justo e suficiente”.
Bolieiro também insistiu na reivindicação ao Governo da República de medidas que permitam aos produtores agrícolas açorianos beneficiarem dos mesmos auxílios atribuídos aos produtores do continente, “para os compensar dos efeitos da actual crise”.
“Exorto o Governo da República, em colaboração com o Governo Regional, a estudar soluções que permitam reduzir, de forma sensível, as contribuições para a Segurança Social dos jovens agricultores que exercem a sua actividade no território da Região”, disse.
O chefe do Executivo dos Açores apelou ainda à República que resolva, “sem mais adiamentos insuportáveis, a solução para o estabelecimento prisional de Ponta Delgada”.
Luís Garcia afirma que os Açores precisam de impulso renovado
Por sua vez, o Presidente da Assembleia Legislativa Regional (ALRAA) dos Açores defendeu que o desenvolvimento económico e social da Região precisa de um impulso “renovado, robusto e sustentável” e considerou necessário inverter o despovoamento do arquipélago.
“A democracia, a autonomia e o desenvolvimento económico e social dos Açores, são três pilares fundamentais da concretização de uns Açores livres, com mais equilíbrio e justiça social e com indicadores económicos e sociais mais próximos das médias nacionais e da União Europeia”, disse Luís Garcia.
Para o líder da ALRAA, se a democracia e a autonomia “tiveram indiscutivelmente grandes avanços nos Açores nos últimos anos, já o desenvolvimento económico e social precisa de um impulso renovado, robusto e sustentável”.
“Este é, seguramente, um desafio permanente e requer o envolvimento de todos”, afirmou Luís Garcia na sessão solene do Dia dos Açores.
E prosseguiu: “Nas últimas décadas, não conseguimos o ritmo que seria desejável e expectável, na convergência real do PIB [Produto Interno Bruto] per capita dos Açores em relação à média nacional e europeia”.
“Paralelamente, as nossas receitas próprias vão sendo insuficientes para cobrir as nossas despesas de funcionamento”, alertou.
O social-democrata disse no seu discurso que estes dois indicadores não podem ser ignorados: “Porque sem uma convergência económica e social real, não envolveremos efetivamente as pessoas no processo da autonomia democrática. Sem a redução da dependência financeira, não usufruímos da verdadeira autonomia política”.
Na sua opinião, esta realidade “requer uma mobilização dos Açores para exigir ao Governo e à Assembleia da República um novo regime financeiro entre o Estado e os Açores”.
“Já o disse várias vezes e repito. A autonomia não desresponsabiliza ninguém, muito menos o Estado que tem responsabilidades aqui, no Portugal insular e tem de as assumir e cumprir”, concluiu.
O Presidente da Assembleia Regional abordou também a questão do despovoamento e considerou a demografia como um desafio “decisivo para os Açores”.
Nos últimos 10 anos, os Açores perderam 10 mil habitantes e são necessárias soluções que incentivem a fixação e atração de pessoas para o território, “com especial atenção aos jovens e aos mais qualificados”.
Na sua intervenção, Luís Garcia referiu-se ainda ao incêndio que no dia 4 de Maio atingiu o hospital de Ponta Delgada e disse ser crucial manter o espírito de cooperação até que aquela unidade, “essencial para toda a Região”, esteja em pleno funcionamento.
“Os tempos que se seguem serão longos e vão exigir um esforço acrescido. Faço, por isso, um apelo ao espírito comunitário dos açorianos para que caminhemos unidos na luta contra esta nova adversidade”, afirmou.
Festa do Espírito Santo
A cerimónia do Dia dos Açores no Parlamento regional contou ainda com a atribuição das insígnias autonómicas a diversas personalidades e instituições.
Após a cerimónia decorreu o tradicional almoço de sopas do Espírito Santo.
As festas do Espírito Santo decorreram em todas as ilhas, como é tradicional no Segunda-feira de Pentecostes.
Em praticamente todas as freguesias são distribuídos carne, pão e vinho pela população, numa celebração de partilha e união, que envolve muitas horas de trabalho voluntário.
“Sempre foi uma celebração muito livre, muito do povo, muito de iniciativa pessoal e aqui nos Açores vive-se muito antes da Revolução Francesa os princípios da Revolução Francesa. O Espírito Santo é liberdade, fraternidade e igualdade”, diz o padre Júlio Rocha.
As Festas do Espírito Santo, transversais às nove ilhas, são o “factor de identidade” dos Açores, onde chegaram com os primeiros povoadores e continuam a ser, séculos depois, caracterizadas pela partilha, caridade e comunhão.
“O factor de identidade dos açorianos é, sem dúvida, a Festa do Espírito Santo, quer na Região, como fora. Vemos isso nas comunidades açorianas na América, no Canadá e no Brasil. Os emigrantes levaram as tradições para esses locais”, explica o historiador Carlos Enes.