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Para uma política cultural nos Açores, VIII – Residências literárias e artísticas

Terry Costa convidou-me há tempos para participar no Fringe, que agora decorre, para debater a política cultural nos Açores e os apoios concedidos, tendo como pretexto propostas que fui lançando nesta série de artigos no Diário dos Açores. Aceitei de imediato, grato e surpreendido, mas por razões que agora não vêm ao caso tive de desistir da viagem e dessa ocasião especialíssima para uma troca de ideias no contexto mais que privilegiado que é esse festival dinâmico e criativo. Quando lhe comuniquei que não iria, prometi-lhe que escreveria mais um artigo — e aqui estou a cumprir.
Falamos demasiado de apoios públicos directos que suportem as mais variadas acções culturais, sabendo que faltarão recursos para tudo e todos, quando também poderíamos estar a imaginar — em debates, precisamente — que é que pode ser feito por privados para que a presença da literatura e das artes na vida do maior número possa ser alcançada e, ao mesmo tempo, as virtudes das ilhas e das suas gentes sejam reconhecidas interna e externamente.
Os Açores dispõem hoje — e já razoavelmente espalhados pelo arquipélago — de um sortido de alojamentos de altíssima qualidade, em arquitectura antiga e contemporânea (contemporânea mas boa…), que estão a beneficiar exponencialmente do crescente fluxo turístico nos meses de verão, e que, depois, têm taxas de ocupação reduzidas, quando o habitual período de férias termina e o outono e o inverno chegam. São em todo o caso excelentes demonstrações da qualificação em curso nos Açores, e do meu ponto de vista lugares ideais para receber residências literárias e artísticas — simbolicamente: dez de cada, a cada ano — capazes de atrair talentos consagrados e talentos emergentes, para estadas de um mês como retiro criativo. Os escolhidos receberiam uma bolsa generosa — 4000 € para nacionais, 5000 € para estrangeiros (incluindo as viagens) —, teriam facilidades semanais de mudas e limpeza, e comprometiam-se apenas a que, no fim da residência, falariam do seu trabalho numa master class para os hóspedes (filmada e disponível a antigos e futuros clientes) e também, noutra ocasião, para os alunos duma escola local ou algo semelhante. (Há pouco tempo, por iniciativa do Arquipélago de Escritores, Leïla Slimani fez algo parecido no Terra Nostra Garden Hotel e depois falou na livraria Solmar, em Ponta Delgada.)
Seria uma extraordinária, quase irrecusável forma de atrair quem queira condições de conforto e isolamento para escrever um livro, fotografar, pintar, desenhar ou compor música, etc. etc. etc. E tornaria os Açores um lugar de criação intensa, em diversas áreas e por diferentes gerações. Não haveria margem para burocracia e burocratas, tutelas e comités (e respectivos atrasos, suas pequenas dominações), nem constrangimentos temáticos de qualquer tipo, pois tudo se decidiria pela avaliação feita por quem recebe e pela empatia criada entre as partes directamente envolvidas, ficando — ou não — por conta das Associações empresariais do sector, da Direcção Regional de Cultura e do Turismo dos Açores o encargo de divulgar — em Agosto, o mais tardar — a lista dos alojamentos aderentes a cada ciclo anual de residências, de Novembro a Março ou Abril. Ou seja, pode ainda ser feito em 2024-25… Aliás, com o muito especial incentivo de coincidir com o centenário da Visita dos Intelectuais Continentais, que vai ser assinalado com uma exposição, um colóquio, livros e suplementos de jornal.
As bolsas pagas aos residentes, pode dizer-se, serão largamente compensadas pela inflação dos preços que a avalanche turística está a criar nas ilhas, daí não resultando, portanto, qualquer encargo ou dano para os alojamentos envolvidos (seria até despesa tributável). Em contrapartida, o passa-palavra influente — comercialmente valorizado — e a prática, hoje bem estabelecida, da menção, num livro ou numa exposição, que este ou aquele trabalho resulta desta ou daquela residência literária e artística no sítio tal ou qual, trazem claras vantagens. Talvez seja ingénuo, ou até muito ingénuo, mas acredito que gestores capazes de erguer tais negócios de excelência também saberão avaliar que esta utilização em baixa estação das suas instalações representa uma visão cosmopolita e actualizada, que as qualifica e distingue na indústria que representam.
Desde há anos, fábricas como Vista Alegre e Viarco (são só dois exemplos) têm tido artistas residentes que aproveitam as condições industriais e os processos de trabalho ali usados para maximizarem os seus próprios projectos, ao mesmo tempo que as empresas observam a criatividade dos artistas e a podem incorporar no futuro. Nos Açores, tal não parece possível mas há predicados naturais, da geologia à botânica e ao silêncio islhense, que lhes fazem as vezes.
Escritores e artistas precisam de paz e sossego para os seus sobressaltos criativos. Visitando as Berlengas, Raul Brandão escreveu que «se houvesse justiça no planeta» seria governador da fortaleza de São Sebastião: «Dêem-me um buraco e papel!» Nos Açores actuais, pode conseguir-se muito melhor do que isso!…

Vasco Rosa

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