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Politicamente (in)Correto

Foi esta semana eleita uma nova Direção da Delegação Regional dos Açores do Sindicato dos Jornalistas. Embora integrando vários elementos dos órgãos dirigentes cessantes, a tomada de posse de um conjunto renovado é sempre portadora de duas ideias nucleares: vontade e esperança.
No caso dos jornalistas – independentemente dos meios e do respetivo alcance que, curiosamente, é cada vez mais global com a dimensão digital… – a vontade corresponde a poder fazer melhor no que constitui o pilar essencial da sua missão: informar, informar com verdade, com cruzamento de fontes, com verificação da notícia, com voz aos contraditórios, com capacidade de ir além do puro e simples, e de despertar a curiosidade para lá do nevoeiro.
Muitas vezes contradigo os meus alunos (e talvez os espante!…), quando sublinho que não concordo com o velho ditado ou ditame das faculdades ligadas à área, segundo o qual o jornalista deve ser isento e objetivo.
Pura inverdade, pura impossibilidade prática, quase mecânica da atitude e do pensamento humanos. Não existe isenção absoluta, uma vez que os fatores que balizam o comportamento do jornalista no exercício da sua atividade profissional diária são múltiplos, desafiantes e condicionantes, no espaço, no tempo e na vivência, do resultado da sua profissão. E a objetividade também se multiplica consoante os ângulos de visão e as condições de avaliação de casa caso, de cada protagonista, de cada matéria…
Prefiro trocar esse velho ditado e ditame por um outro primado, o da independência e da honestidade. E esse, o valor da independência, é o mais absoluto e inegociável da carreira e da profissão de jornalista. Independente dos diversos poderes, incólume a quaisquer pressões, seguro na avaliação e na informação, claro nos factos e confiante na opinião. Com uma armadura resistente às influências, aos apadrinhamentos e às conveniências.
O pior que pode suceder a um jornalista é vender-se ao poder (seja situação, seja oposição), e em quaisquer circunstâncias. É depender de avenças partidárias para poder ter uma vida mais digna e confortável para si e para a sua família. É fazer desse “modus operandi” um modo de vida.
Já passei, obviamente, pelos corredores do poder.
Fui assessor de imprensa, chefe de gabinete e adjunto governamental em cinco áreas distintas.
Fi-lo, ao longo de 38 anos de carreira profissional, durante um total de três anos, e essas passagens permitiram-me ter uma ideia muito concreta e muito próxima de como funciona o “magistério político” no país e na região. De como muitos se encostam para fazer dela (da política) a sua vida profissional, percebendo diversas hipóteses e combinando uma curiosa dança de cadeiras: ora hoje deputado, amanhã vereador, depois de amanhã diretor regional e no outro dia presidente de câmara. Tudo isto com a conivência de um conveniente sistema e enquadramento legais, que não apenas não proíbem como estimulam esta viagem errante pelos corredores da coisa pública, como se de uma carreira profissional se tratasse.

Pois ao jornalista compete não se deixar enredar por esta manifesta conveniência, ainda que os rendimentos que dela provenham sejam, em Portugal, incomensuravelmente melhores do que os que mensalmente auferem nos seus “media”.
Reparem que não me oponho a passagens pela política. Acho mesmo que estas podem potenciar a qualidade do jornalista no exercício posterior da sua atividade, dando-lhe um conhecimento interno que, de outro modo, dificilmente conseguiria. Afinal, o jornalista é, também, um cidadão de plenos direitos, e a ele não pode estar vedada essa possibilidade.
A questão está na capacidade de sempre conseguir manter o equilíbrio e a independência, fatores essenciais para que possa voltar a desenvolver a sua carreira original em órgãos de comunicação social.
Esta é, evidentemente, uma perspetiva mais teórica e conceptual dos valores que deverão pautar a atividade profissional do jornalista. E que os novos responsáveis pela Direção Regional do Sindicato dos Jornalistas, creio, poderão ter em consideração no arranque do exercício do respetivo mandato.
Outras avaliações técnicas, outros parâmetros preocupantes, como a formação profissional contínua, a migração quase total para o digital, os modelos de financiamento públicos para “media” privados (sim, sou totalmente a favor e jamais retirarão a tal capacidade de independência dos profissionais do setor), as particularidades de uma região como os Açores, o jornalismo de proximidade e a ultraperiferia, estão certamente no topo da agenda, e a eles voltarei daqui a algum tempo.
O que deste avião que me transporta entre Paris e Lisboa pretendo, mesmo, é enviar palavras de incentivo e de coragem ao Nuno Martins Neves e a todas as pessoas e profissionais que o acompanham nesta importante missão de continuar a dignificar o jornalismo e o jornalista, certos de que essa é a primeira forma de também dignificarmos leitores, ouvintes, telespetadores e utilizadores do digital. Afinal, os únicos destinatários do nosso trabalho.

Rui Almeida*

*Jornalista

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