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A “Estratégia Educação 2030”, um documento insanável

“Não há nada no que diz respeito aos mais de 6.000 jovens que não trabalham nem estudam. E veja-se a dimensão da questão: há mais jovens nesta situação que alunos no ensino secundário. É inadmissível não haver um Plano para eles.”

Quis o Governo dos Açores anunciar em outubro de 2021 que pretendia implementar uma “Estratégia para a década”na Educação, apelando mesmo para que fosse objeto de um Pacto de Regime.
Três anos depois deste anúncio o Governo apresenta um documento a que chamou “Estratégia Educação Açores 2030”, de 121páginas, contendo num capítulo intitulado “Análise de Resultados”,3 páginas de “Metas e Indicadores” e 3 páginas de “Ações”.
Quatro problemas tornam, na minha opinião, este documento insanável.
O primeiro é que este documento não coloca nada nas “soluções” que pretenda dar resposta a duas dimensões muitíssimo importantes na questão açoriana, que implica fortemente a Educação, o que nos preocupa: o combate à pobreza e a empregabilidade dos açorianos. Já sei que o Governo alega que esta “estratégia” seria “articulada” com a atuação de outros departamentos. Mas, precisamente, a estruturação das políticas públicas que impliquem a educação tem de estar num só documento orientador que coloque não só os objetivos em todos os problemas para os quais se deseja que a Educação dê resposta. E não há nem um esboço desta articulação. Este tinha de ser “o” documento “articulador” e esta ausência fere mortalmente o que considero ser a base mesmo de uma filosofia de intervenção da Educação que inclua o combate à pobreza e a preparação para o emprego. Uma Plano para a Educação, dada a sua natureza e as exigências da sua operacionalização, tem de ser um documento transversal de políticas públicas do Governo e não de um dos seus departamentos.
O segundo problema, tem a ver como facto deste documento não ser consequente. Afirma que “A discrepância entre as competências de que os jovens dispõem e as competências que lhes estão a ser exigidas tem de ser largamente diminuída”, mas o documento não contém nenhuma medida que pretenda combater esta discrepância. Refere ainda o que a ONU recomenda, a saber “aumentar substancialmente o número de jovens e adultos que tenham habilitações relevantes, incluindo competências técnicas e profissionais, para emprego e trabalho decente” ou o que recomenda a Estratégia Europeia para a Educação, a saber, agir incluindo “o ensino, a formação e a aprendizagem em todos os contextos e em todos os níveis, desde a educação e acolhimento na primeira infância até à aprendizagem de adultos”, mas disto tudo não tira consequências em termos de ação. Não há nenhuma “ação” que vá nesse sentido. Referir todos aqueles bons objetivos, fazendo de conta que o documento apresentado neles assentasse, sem tirar consequências em termos de ação é um exercício de uma hipocrisia lamentável.
O terceiro problema tem a ver com a enorme fragilidade das intenções anunciadas num capítulo intitulado… “análise de resultados” (sic)
Desde logo nas “Metas e Indicadores”: Visar 15% de abandono escolar precoce em 2030 quando, a mantermos a tendência de decrescimento da última década, atingiríamos naturalmente 8,7% é incompreensível (o ritmo de decrescimento tem sido de 1,8 pontos percentuais por ano desde 2011); também é incompreensível ter a intenção de atingir 82.400açorianos com o ensino secundário ou superior, o que representa uma taxa de crescimento de 11%, quando o crescimento deste grupo de açorianos tem sido de 57%. Mais incompreensível ainda é o Governo classificar isto de “ambição (!) e de “aceleração para recuperar o tempo perdido”.
Quanto ao PISA, a meta indicada para o diferencial entre os valores nos Açores é o dobro do diferencial médio entre 2000 e 2018 (retirado o valor de 2022 catastrófico).
Nas “ações” – uma lista de “ações” completamente desarticuladas, sem linha condutora -, consta não um Plano de combate ao abandono escolar precoce, mas o anúncio da “elaboração de um Plano”. Incrível.
E não há nada sobre o acompanhamento dos jovens no desenho do seu projeto de vida, em particular no caminho para sua profissão. Não há nada no que diz respeito aos mais de 6.000 jovens que não trabalham nem estudam. E veja-se a dimensão da questão: há mais jovens nesta situação que alunos no ensino secundário. É inadmissível não haver um Plano para eles.
Para monitorizar o anunciado é prometido fazê-lo anualmente quando não há valores de referência anuais. Irá comparar-se os valores anuais a quê? Haverá desvio a retificar, melhorias que incentivam o caminho? Não se saberá.
Um quarto problema é a fragilidade conceptual e da estrutura deste documento.
O que se desejaria é que colocasse um alargado, completo e ousado leque de objetivos, alicerçados, certo, na nossa realidade, com seus indicadores respetivos, orientando um caminho para os atingir, desenhando os pontos de passagem obrigatória para lá chegar, calendarizando tudo, esboçando seu financiamento e organizando a coordenação dos diferentes atores, com um dispositivo de monitorização e pilotagem de tudo isso. E devíamos ter incluído um elemento relevante da nossa realidade: temos, para fazer face às nossas fragilidades, duas grandes vantagens -somos poucos (240.000), podendo imaginar acompanhar cada um dos açorianos no seu percurso educativo e temos competências própria para concebermos respostas próprias.
Deveria ter sido um documento para mudarmos de dimensão. Nada disso.
Era Estratégia, na capa, as “metas”, “indicadores” e “ações” são apresentadas num capítulo chamado de “Análise de Resultados” e nas Conclusões é referido que é um “plano”. Uma meta não é um objetivo, um plano não é uma estratégia, uma Estratégia não é isso.
O que era uma Estratégia para a década tornou-se um alinhamento parcial de intenções para meia década, que, espero, os representantes do Povo Açoriano na Assembleia regional não deixem passar.
Uma última palavra, à margem deste meu “contributo”: que aqueles que se habituaram a ver-me com contenção me desculpem desta minha veemência. Mas a questão é importante demais e a questão é grave demais.

Rui Bettencourt

[email protected]

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