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Azores Fringe Festival Encontro Pedras Negras Pico – 2024 : Homenagem a Eduíno de Jesus

Eduíno de Jesus, como um Afonso da Maia, mais velho do que o século, carrega consigo a experiência e a sabedoria das décadas acumuladas. Homem de longos silêncios, é dono de palavras múltiplas, que se aninham no seu regaço, como se delas fosse pai, mãe, capataz, patrão, senhor ou deus.
Contemporâneo da pós-modernidade, trilha o seu trajeto escapando às balizas demasiado restritas de correntes, géneros e tendências, alimentando a sua escrita com uma consciente fragmentação estilística, formal e temática, explorando a pluralidade, pela fusão de estilos.
O seu recente Como Tenuíssima Espuma de Luz (Poética Fragmentária), com desenhos de Artur Bual, que casam bem com a palavra dita e com a palavra omitida, é um exemplo da genialidade que não se confina ou submete à temporalidade de um período.
A sua obra está prenhe de referentes humanos, empíricos, Vergílio Ferreira, Maria João Bual, José Enes, Eleonora Marino Duarte, Fernando Aires… mas os textos, finitos mas não efémeros, sintéticos mas não mutilados, apresentam um convite para que se encete uma jornada além das fronteiras da realidade e da palavra, onde os termos dançam ao ritmo de uma imaginação que o tempo não deixou minguar e de uma emoção que a cronologia não castrou.
A sua escrita transcende o tempo, mas está atenta ao poder incomensurável do verbo, como espelho o seu ARTESANIA POÉTICA

Macerar as palavras
até fazerem sentido
depois macerar o sentido
até fazer palavras

e depois macerar as palavras
até fazerem outra vez sentido
e depois macerar o sentido
até fazer outras vezes palavras

e depois macerar
outra vez as palavras
e depois macerar
outra vez o sentido

até ficar sem palavras
até perder os sentidos.

Não é uma poesia labiríntica, que obrigue à dissolução de certezas e alimente as dúvidas existenciais do leitor, nem se alimenta de ambiguidades desnecessárias. Todo o processo de redação é meditado, a seleção da palavra, a cadência, a quebra do verso, a imagem concebida.
De facto, os poetas, os bons poetas, como Eduíno de Jesus, são imortais, apesar do sujeito lírico acreditar, por entre brados, que “os homens passam”

AS PALAVRAS 
            a Fernando Aires

As palavras, meu Deus, como são
Imprecisas, volúveis. No entanto,
elas só (enquanto os homens passam)
guardam para sempre o sinal do tempo.

[…]

Imprecisas? Volúveis? Mas inamovíveis,
elas ficam lá na página branca
à espera de um Levanta-te e caminha
de qualquer voz humana.

O homem, físico e efémero, desaparecerá, mas as palavras ficam grafadas para a posteridade.
Os seus 96 anos poderiam ditar um período de acalmia, porém, a sua voz continua a ressoar, não com a mesma vitalidade dos seus primeiros escritos, está claro, mas com a firmeza “[d]’um saber [só] de experiências feito”. Cada palavra sua, cogitada até à fonte, é uma renúncia ao desnecessário, ao supérfluo, ao decorativo, manifesto da sua dedicação à arte da escrita e à verdade da Palavra. Urbano Bettencourt assim o reconhece, também, quando, na sua compilação de ensaios, sala de espelhos, afirma que “A poesia de Eduíno de Jesus seguiu por outros caminhos, num assumido subjetivismo e numa sobre-vigiada elaboração formal, atenta ao poder da palavra e às potencialidades do seu manuseamento, desembocando por vezes no terreno do experimentalismo verbal e poético” (2020). É, no seu fim, uma celebração de vida, de talento e de arte.
Eduíno de Jesus, artesão da poesia, é, assim, simultaneamente, mestre, visionário e Hipocrene, queiram as gerações seguintes sorver da água inspiracional que jorra desta nascente.

Demoradas vénias ao Mestre!

Pedro Paulo Câmara*

*Mestre em Estudos Portugueses Multidisciplinares/
Coordenador Técnico-Pedagógico – Casa do Povo de Feteiras

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