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Trabalhadores e classe média

Carmo Afonso, advogada e cronista do jornal nacional Público, merece uma referência particular porque é uma (um) daquelas (daqueles) jornalistas raras (os) que resiste, apesar de saltar fora dum carreiro percorrido pela maioria seus colegas, tanta vez condicionados pela precária sobrevivência profissional, hoje transformada frequentemente em objeto de chantagem pelos donos da informação. E isto apesar da liberdade de opinião constituir um direito consagrado no país.
Mas não é só por esta prova de coragem e verticalidade profissional que Carmo Afonso me merece uma referência particular, é também pela sua interessante opinião sobre o que considera a fantasia de se pertencer à “chamada” classe média na nossa sociedade, em prejuízo manifesto da consciência de se pertencer à classe trabalhadora. A verdade é que hoje se troca com demasiada frequência o termo trabalhador ou assalariado (operário, empregado, funcionário) pelos simpáticos termos de colaborador, de empresário em nome individual, ou de distribuidor independente, e a maioria desta gente perde identidade e passa a sofrer da atração de pertencera uma coisa fluida e indefinida, mas muito notabilizada e valorizada socialmente, chamada classe média, em lugar de ser considerada e considerar-se como parte objetiva de um dos estratos vulgarizados como mais humildes da sociedade, a classe trabalhadora.
O mérito desta verdadeira social-democrata, como ela própria se intitula (por convicção?), é o de garantir que, mais ou menos humilde, mais ou menos travestida de outras condições, mais ou menos renegada pelos seus próprios membros, a classe trabalhadora existe e continuará a existir.
“…. Se tenho de acordar cedo para ir trabalhar na segunda-feira, se não posso viver sem trabalhar ou sem ter trabalhado, se não recebo rendas, juros, lucros ou outros benefícios empresariais para viver, então sou da classe trabalhadora…”. Tal é a condição da esmagadora maioria dos portugueses que, por mais que desejem outra coisa, não se transformam só por isso em burgueses ou membros da chamada classe média, assim instituída afinal para conveniência de uma minoria de ricos atualmente bem instalada do ponto de vista político-económico e com manifestas intenções de continuar assim…
65% dos jovens portugueses com menos de 30 anos recebe menos de mil euros por mês e trabalha em condições precárias. Só a luta unida de quem trabalha e em particular dos jovens trabalhadores lhes poderá garantir um futuro diferente e melhores condições de vida, e nunca o alheamento da sua condição laboral ou a entrega do seu voto às direitas, mais radicais ou não.
A vontade de pertencer à classe média como afirma Carmo Afonso, ou a ausência de consciência de classe, da parte de quem trabalha e especialmente da juventude, não ajuda de forma nenhuma à melhoria das condições de vida e de trabalho da maioria dos portugueses, e dos açorianos em particular.
As lutas sindicais e laborais e a defesa política e social de quem trabalha, podem estar fora de moda, mas, antes mais cedo que tarde, elas são e serão sempre a condição e a arma coletiva mais adequadas à efetiva subida dos rendimentos e qualidade de vida dos trabalhadores, isto é, da esmagadora maioria da população.
E os tempos mostram-nos que, mesmo fora de moda, há sempre quem insista no uso de uma tal arma coletiva. Só quem não luta nunca ganha, e essas corajosas ações continuam ainda assim bem presentes no nosso quotidiano, também para que, pelo exemplo, frutifiquem e se reproduzam…

Mário Abrantes

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