A polémica sobre o Projeto de Resolução do Chega que visa alterar as condições de acesso às creches e que foi aprovado pela Assembleia Regional com os votos dos partidos da coligação e a abstenção do IL está a causar “muita perplexidade” nos meios nacionais, com alguns constitucionalistas a intervir.
Segundo o projecto aprovado, as crianças de pais desempregados ficam em desvantagem em relação àquelas cujos pais trabalham para ingressarem nas creches.
“Pode-se considerar uma discriminação em função das pessoas trabalharem ou não quererem trabalhar. As pessoas podem não querer trabalhar”, disse à Renascença, o constitucionalista Bacelar Gouveia.
“As pessoas não são obrigadas a trabalhar, isso é uma intromissão na vida privada. A pessoa pode ser rica, pode estar no café o dia todo, porque é que o seu filho não há-de ir a creche como os outros?”, questiona o especialista.
Bacelar Gouveia considera que esta situação do ponto de vista formal não lhe parece legítima.
“É uma desigualdade em função de um critério que não é relevante”, acrescenta.
O “Diário dos Açores” ouviu o especialista em Direito Constitucional, Arnaldo Ourique, colaborador regular deste jornal, que disse não conhecer o texto da resolução, mas “respondendo na generalidade a essa pergunta (se é legal) a resposta é negativa. Porque os princípios da universalidade e da igualdade impedem-no. No entanto, a Constituição prevê uma igualdade igual para situações iguais e a desigualdade para situações desiguais. Noutra maneira de dizer: é possível fazer discriminações positivas em função duma necessidade adequada e proporcional. São muitos os exemplos de leis que permitem esses desvios: uma senhora com o filho ao colo tem direito de preferência no atendimento; uma família com menores rendimentos paga menos impostos, ou paga menos pelo filho numa creche”.
Arnaldo Ourique adianta ainda ao nosso jornal que os partidos podem requerer a inconstitucionalidade da norma, “mas não têm necessidade de o fazer. Vejamos assim: se for aprovada esta medida através de uma resolução parlamentar, este tipo de ato não é assinado pelo Representante da República, logo, não existe controlo preventivo. Os deputados poderão suscitar junto do Tribunal Constitucional a sua inconstitucionalidade porque este tipo de resolução é normativa (o Tribunal Constitucional só funciona se alguém o convocar a agir, princípio do pedido; e só analisa normas jurídicas, e não atos administrativos). Também os cidadãos, e os deputados, podem convocar o Provedor de Justiça para que este faça esse pedido. Se for aprovado por um decreto parlamentar ou um decreto governativo, o Representante da República já pode intervir. Em qualquer caso, os deputados não têm necessidade de convocar nem o Representante da República, nem o Tribunal Constitucional: como o governo não tem maioria parlamentar, logo, os deputados podem chumbar a sua aprovação, seja da resolução, seja do decreto parlamentar se for o caso”.
Para Arnaldo Ourique, “o próprio Presidente da Assembleia Legislativa pode, desde logo, interpretar, que a iniciativa é inconstitucional se for esse o seu entendimento; e, nesse caso, a resolução nem é aceite à discussão”.