Logo nos primeiros tempos de funcionamento, a Assembleia Constituinte elegeu uma Comissão, formada por elementos dos vários partidos políticos nela representados, com o mandato de preparar um texto sobre o novo regime autonómico a instituir nos Arquipélagos dos Açores e da Madeira. Esta Comissão teve como Presidente o Deputado Jaime Gama e tanto eu como Américo Viveiros fomos também eleitos membros dela.
Os trabalhos da Comissão iniciaram-se em pleno Verão Quente de 1975 e cada partido apresentou o seu projecto sobre a matéria. Na sua primeira versão, o do PSD, então ainda usando a designação de PPD, ia mesmo muito longe, versando questões de representação externa e de defesa nacional, em termos de salvaguardar as especificidades insulares, projectadas designadamente nas comunidades de emigrantes açorianos e madeirenses espalhadas pelo Mundo e com especiais laços com os seus territórios de origem.
Os responsáveis nacionais do PPD acharam exageradas algumas dessas propostas e daí surgiu um segundo projecto, mais moderado. Mas o certo é que muitos anos depois a versão inicial reapareceu em alguns jornais, com o intuito de provar a existência de sementes de separatismo no sonho de Autonomia do PPD Insular. Sempre me pareceu que seriam então os serviços secretos militares a actuar, num quadro de conflito com os Açores e de contestação ao recém nomeado Ministro da República, posteriormente à segunda Guerra das Bandeiras…
As discussões na Oitava Comissão deram origem a um texto muito restrictivo, contra o qual votaram os Deputados do PPD membros dela. A sua divulgação caiu no meio político regional como uma verdadeira bomba e foi por isso objecto de intensa contestação. Muitos telegramas de protesto e rejeição foram daqui enviados à Assembleia Constituinte e lidos na Mesa, com consternação do Presidente Henrique de Barros, que chegou a interrogar em voz alta que texto era esse tão contestado, que ele por sua parte desconhecia.
Comprovando a validade das movimentações democráticas e a genuinidade dos trabalhos da Assembleia Constituinte, a Comissão em causa voltou a reunir e concluiu a sua tarefa com um projecto muito mais aberto às pretensões insulares de auto-governo. Embora não aceitando todas as propostas do PPD, não era possível ignorar o esforço feito pelo PS, sobretudo, para abrir caminho a uma verdadeira Autonomia político-administrativa para as Ilhas.
Quando se iniciou o debate do tema da Autonomia em sessão plenária, foi manifesto o empenho dos Deputados membros da Comissão em que o projecto fosse aprovado sem grandes alterações e com o mínimo de debate possível, já que durante os trabalhos prévios toda a temática tinha sido abundantemente debatida e acertadas posições o mais possível consensuais. Tanto o Presidente da Comissão como o Relator, ambos do PS, se exprimiram nesse sentido. Mas quem não estava pelos ajustes era o PCP, que foi apresentando inúmeras propostas de alteração, artigo a artigo, ao mesmo tempo que lançava apelos lancinantes para que todos os Deputados interviessem no debate, evitando que o tema ficasse confinado apenas entre os Deputados Insulares.
Publiquei na Revista Portuguesa de Ciência Política, num número monográfico dedicado a questões açorianas, um extenso artigo sobre o debate acerca da Autonomia Insular na Assembleia Constituinte, para cuja elaboração tive de reler o Diário das Sessões e recordar as diversas intervenções então feitas. Para respeitar as regras da Revista tive de cortar parte do texto, que penso por isso republicar em versão integral em alguma ocasião próxima.
O certo é que a gritaria dos Deputados do PCP não foi em vão e a versão final aprovada pela Assembleia Constituinte reteve algumas das mais significativas propostas deles. Apesar de tudo e pela primeira vez na História, as Ilhas dos Açores, bem com as da Madeira, erigidas em Regiões Autónomas da República Portuguesa, por decisão unânime dos legítimos representantes de todo o Povo Português, mandatado democráticamente para aprovar uma nova Constituição destinada a organizar o Estado no novo período histórico pós imperial, passaram a dispor de uma Autonomia ainda assim ampla, como a qualifiquei na declaração de voto proferida em nome do Grupo Parlamentar do PPD.
Convém ter sempre presente que a “Livre Administração dos Açores pelos Açorianos”, preconizada pelos Autonomistas Históricos, sempre de base distrital, nunca passou nos sucessivos Parlamentos para tal solicitados, acabando por ser consagrada em diplomas governamentais promulgados em ditadura, e isso tanto no termo da Primeira Campanha como da Segunda, nesta com a agravante de, apesar do meritório esforço da Visita dos Intelectuais, cujo centenário se está agora celebrando, o decreto de 16 de Fevereiro de 1928 ter saído já na vigência da Ditadura Militar, sendo aliás logo poucos meses depois revogado num dos primeiros actos da Ditadura Salazariana.
João Bosco Mota Amaral*
*(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo
Ortográfico)