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Ainda sobre as creches como ilustração de decadência política

O tema das creches mexeu com a sociedade açoriana; o que significa que as populações estão atentas e o que governo é fraco. Pode parecer esgotada a matéria porque os sinais mostram que a resolução não será publicada, pelo menos não foi até agora; mas o processo é tão incompetente e malandro que vale a pena percebermos melhor o nível da política regional.
A iniciativa foi do Chega (109/10/XIII, de 09-07-2024); a Presidência da Assembleia Legislativa não verificou o documento (09-07); o pedido foi feito com urgência e foi aceite e depois aprovado (12-07) com 21 votos do DSD, 5 do Chega, um do CDS e um do PPM, com votos contra 21 do PS e um do BE, e com abstenções, uma do IL e uma do PAN. Já aqui temos muita informação preocupante: a contagem destes votos dá-nos 52 deputados, faltam cinco para os 57 existentes. Da Coligação não estiveram 3 e do PS 2. Numa matéria desta dimensão – as crianças que são o futuro da Região.
O Projeto é uma «alteração dos critérios de admissão e priorização nas vagas das respostas sociais, nomeadamente creche, creche familiar e amas. Propõe-se que seja conferida prioridade às crianças provenientes de agregados familiares cujos progenitores ou encarregados de educação tenham vínculo laboral». No entanto, a sua justificação não condiz: «as creches, enquanto locais que proporcionam um ambiente seguro, estimulante e pedagógico para as crianças em idade pré-escolar, não são apenas um meio para que estas desenvolvam as suas aptidões, cresçam de forma saudável e adquiram competências para a vida futura, como são o meio mais democrático para aumentar a força de trabalho qualificado e impulsionar o desenvolvimento económico da nossa Região», «quando as crianças têm acesso a creches de qualidade, há uma série de resultados positivos que podem ser observados a longo prazo. A realidade prática tem demonstrado que as crianças que frequentam creches têm maior probabilidade de obter sucesso académico, de completar os seus estudos e de ter uma vida profissional mais bem-sucedida» e «as creches têm um impacto positivo na igualdade de oportunidades, dado que ajuda a reduzir as disparidades no acesso à educação entre crianças de diferentes origens socioeconómicas e fornecem um ambiente pedagógico de qualidade desde tenra idade. Fatores que, no seu conjunto, contribuem para a criação de uma sociedade mais equitativa, em que todas as crianças têm a oportunidade de desenvolver o seu potencial máximo, independentemente das circunstâncias familiares». Esta fundamentação é delirante, no mínimo. Ora, é muito preocupante querer com a resolução retirar às crianças mais necessitadas condições de acesso e ao mesmo tempo contradizer-se integralmente na fundamentação. Claro que se percebe muito bem este discurso: dá-se valor ao emprego em desfavor das crianças; dá-se valor ao emprego e despreza-se quem o não pode ter, mesmo que isso dificulte a vida da criança; dá-se valor às crianças com pais com poder de compra e menos valor às crianças com menor poder de compra.
A Coligação mostra muito bem a sua fraqueza: aceita, sem-mais, uma proposta do Chega para o manter a apoiá-lo no Parlamento. E no verão onde quase todos estão distraídos. Pode dizer-se que o PSD convive bem em governar com o Chega. No fundo é mais um comprovativo de que a inteligência política do PSD-A não tem comparação com o PSD nacional. Mas o Governo Regional dos Açores não se bastou violar regras tão básicas da nossa sociedade democrática e há cinquenta anos implementada; quis mostrar que, mesmo errando, é a sociedade que está errada. Veio agora dizer (a 24-07), através do seu presidente, que estão a criar «fantasmas de discriminação negativa», e que embora «ultrapassados os critérios que são os prioritários e ainda em situação de empate numa procura [pela creche], é razoável eventualmente perceber, não para discriminar, que quem tem mais facilidade em tomar conta dos filhos é quem tem tempo e disponibilidade»”, embora conclua que «não se pode criar um fantasma de discriminação negativa porque ele não existe e eu não aceitaria». E acrescentou: «não se comover com quem promove a crónica do mal-dizer», para concluir que as pessoas têm razão, pois, afirma «vamos avaliar a recomendação e perceber em que medida é que ela, sem pôr em causa o superior interesse da criança, pode ser acomodada nos critérios que correspondam à legalidade e constitucionalidade». Concluindo, magistralmente, que «o problema não é criado agora; ele existia com maior gravidade antes da minha governação porque havia poucas vagas» e «se nós estamos do lado das soluções, porque é que querem criar um problema?, só para dizer mal». Este discurso é delirante, no mínimo.
Não se percebe as considerações do projeto que contradizem o objetivo da medida; e não se percebe o queixume contra as populações que o escolheram.

Arnaldo Ourique

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