Quando visitei a ilha do Corvo pela primeira vez em 2017, fiquei impressionado com a sua escala – é uma ilha que poderia facilmente caber numa rua de Lisboa.
A minha curiosidade urbana levou-me a colocar uma pergunta que, em retrospetiva, percebo ser de certa forma idiota: “Então e como é que fazem quando querem comprar alguma coisa que não existe na ilha?”
A resposta dos corvinos foi tão simples quanto reveladora: “Vamos à net!”
Este episódio deixou-me a refletir sobre a forma como a tecnologia tem transformado até os cantos mais isolados do nosso país, e sobre como o acesso à internet se tornou uma verdadeira janela para o mundo, permitindo que as limitações geográficas sejam cada vez mais superadas.
E é neste contexto de conectividade global e digitalização que surge a questão: em 2024, faz sentido existirem lojas físicas de vendas de bilhetes de companhias aéreas?
Lamento dizer, mas não, não faz sentido.
Especialmente em ilhas como as dos Açores, onde os habitantes já estão mais do que habituados a encomendar tudo o que necessitam através da internet.
A existência de lojas físicas para comprar bilhetes de avião é um anacronismo, um vestígio de um tempo em que a internet não era a ferramenta universal que é hoje.
Para os poucos que ainda preferem uma experiência presencial, as agências de viagens são uma alternativa válida e que oferece um serviço mais completo, com a possibilidade de organizar não só a viagem aérea, mas também o alojamento, o transporte terrestre e outras atividades.
O encerramento das lojas da SATA nas diversas cidades açorianas é, portanto, uma medida natural que, na minha opinião, peca apenas por chegar tarde.
Dentro de algumas semanas, este encerramento será uma memória distante, sem grande impacto no quotidiano dos habitantes das ilhas.
Sim, poupam-se alguns tostões com esta decisão, mas estas poupanças são insignificantes quando comparadas com os verdadeiros problemas comerciais e estratégicos que o grupo SATA enfrenta este ano.
O aluguer de aviões à EuroAtlantic para realizar os voos diretos do Porto e da Madeira para o Canadá e os Estados Unidos, voos que não passam pelos Açores e que serão altamente deficitários, é apenas o começo.
A decisão de contratar um avião da espanhola WamosAir para uma temporada inteira de voos a partir da Terceira, quando esses voos (com exceção de Oakland) poderiam ser realizados com as aeronaves da própria Azores Airlines, levanta questões sobre a utilidade da marca Azores Airlines.
Se é para operar com aviões espanhóis, que sentido faz manter uma marca açoriana?
Aliás, até alguns voos interilhas estão neste momento a ser efetuados com um ATR72 alugados à também espanhola Swiftair.
Vários outros voos interilhas foram realizados com os A320 da Azores Airlines, aeronaves concebidas para voos de médio curso e não para os curtos saltos entre ilhas com tarifas médias que nem cobrem os custos variáveis destes aviões.
Estes custos, somados às indemnizações pelas centenas de voos cancelados ou atrasados ao abrigo do regulamento europeu 261/2004, bem como o devaneio comercial com a abertura de novas rotas com tarifas médias muito baixas, não auguram nada de bom para este ano fiscal.
Arriscaria a dizer que este será mesmo um dos piores anos para o Grupo SATA.
E, como sempre, o fardo cairá sobre o contribuinte, que acabará por pagar pelos erros de gestão e pelas decisões altamente questionáveis.
Nenhum grupo aeronáutico internacional se interessará em sequer consultar o eventual dossier de privatização da Azores Airlines e muito menos se interessará em partilhar este pesado fardo com este Estado que temos.
Comparativamente a tudo o que aí vem relativamente a este grupo, o encerramento das lojas da SATA é, paradoxalmente, a melhor parte.
Um pequeno sacrifício que, como uma rainha santa Isabel dos tempos modernos, podemos olhar e dizer: “são só lojas, senhor, são só lojas”.
Pedro Castro, especialista em aviação comercial