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Gozo

Graças a um curso dado pelo Pe. J. J. Pérez-Soba, intitulado “A Educação da Afectividade”1, podemos aprender muito sobre o amor. Começa por nos recordar que tudo quanto existe é fruto do amor. O compositor, por exemplo, sente prazer na música e é esse sentimento que o leva a ouvir mais melodias, a desenvolver os seus conhecimentos musicais, a aperfeiçoar a sua técnica como músico até lhe surgir a ideia de escrever uma partitura.
O amor começa por um sentimento agradável suscitado por algo ou alguém. Esse sentimento impõe-se e anima a uma aproximação, a um conhecimento mais profundo dessa coisa ou pessoa que nos atrai. A música não se apercebe de que foi amada, nem a criança que acaba de nascer. Tudo quanto existe é fruto do amor. Mas nem tudo quanto existe é capaz de amar. A música poderá dar prazer a muitas pessoas, mas nunca poderá retribuir esse amor. A criança, sim; ao crescer poderá sentir-se bem ao colo dos pais, sorrir-lhes… e retribuir-lhes esse amor.
Este exemplo pode ajudar-nos a compreender a diferença entre prazer e gozo2 . O prazer é passageiro, sensual (relacionado com os sentidos) e superficial, mas faz parte do amor. O gozo, ou fruição, proporciona bem-estar como o prazer, mas é mais profundo, é intemporal, dá paz, descanso, confiança, compreensão…, facilita a comunicação pois tem um cariz espiritual. Ouvir a Sonata ao Luar em uma noite de lua cheia, seja na margem de um lago ou no alto de uma montanha, faz-nos entrar em sintonia com Beethoven, compreendê-lo, admirá-lo, agradecer-lhe o prazer, o gozo que proporciona a muitas pessoas.
Porém, o amor humano é carenciado de amor, isto é, necessita ser correspondido. A música não consegue retribuir amor a quem a compôs, mas os seus ouvintes podem (e costumam) agradecer aos músicos, maestro e compositor com a ação de aplaudir e, eventualmente, pagando o bilhete do concerto É justo. É natural. E ajuda a elevar o prazer ao nível do gozo, pois o gozo é fruto do amor e é mesmo compatível com o sofrimento.
O verdadeiro amor implica comunhão e retribuição no amor. Se o amado não retribuir com amor, o amante não é feliz. Podem não ter os mesmos interesses, mas devem ter algo em comum de máxima importância: não podem viver um sem o outro. Há algo que devem ter em comum, em que colaboram juntos, cada um com as capacidades próprias, com os seus dons naturais, as suas habilidades.
Esta comunhão, é extraordinariamente gozosa entre marido e mulher. O esforço por manter uma família, educar os filhos, protegê-los do mal e da mentira, ensiná-los a ser sóbrios e disciplinados para conseguirem exercer a sua liberdade com prudência e sensatez, na verdade e na justiça, com respeito pela dignidade, direitos e sentimentos dos outros. Este serviço prestado aos filhos, à sociedade e ao mundo, o serviço de rejuvenescer o mundo com pessoas de boa vontade, verazes e trabalhadoras, é muito gratificante. Dá muito gozo, muita alegria, muita paz, muita confiança. Os pais que têm a generosidade de viver um amor assim, cheio de aventuras, doenças, frustrações e sacrifícios, mas sempre confiantes no amor mútuo e na proteção divina, sentem um gozo enorme na companhia um do outro. Pode passar o prazer dos primeiros tempos de convívio, do enamoramento, do encantamento ante a beleza juvenil do outro, da entrega mútua, mas fica o profundo gozo da companhia de alguém que nos ajuda a ser melhores pessoas e que, mesmo idoso e já diminuído, só quer o nosso bem.
Famílias assim, unidas pelo amor mútuo e a todos os outros, são manifestações do amor de Deus pelos homens. Deixam rasto. Deixam paz. Deixam, por gerações, muitas “sonatas ao luar”.

   Isabel Vasco Costa

1“La educacíon de la afectividad”, pode ser consultado em: https://www.youtube.com/watch?y=6yH6URdwlVE&list=PLEUEkcWzLrCyHArHSUOQpOsAloozD3Ywl
2“Gozar com” uma pessoa, pode significar rir-se à custa dela, ridicularizá-la. Nunca utilizamos esse significado neste texto.

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