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Porque é que os professores não querem vir trabalhar para as Flores?

Nos últimos dias tem sido notícia a falta de professores na Escola Básica e Secundária das Flores para iniciar o novo ano letivo, 2024/2025.
Curiosamente, o quadro de escola da EBS das Flores e o, recentemente criado, quadro de ilha, das Flores, estão cheios, totalizando 86 docentes. 86 pessoas que concorreram voluntariamente para um emprego na ilha das Flores. Não foram escolhidos aleatoriamente para entrar nos quadros da escola desta ilha. Não foram obrigados a tal. Escolheram, concorreram e efetivaram cá.
O problema é que, desses 86, apenas 30 vão iniciar o novo ano letivo nas Flores. E esses 30 são na sua larga maioria florentinos de nascença ou florentinos por opção, são os “da casa”. Os outros 56, apesar de pertencerem aos quadros, pediram afetação (destacamento) e vão dar aulas noutras ilhas do arquipélago. Usaram a escola das Flores como um trampolim.
Muitos destes 56 nem sequer conhecem as instalações da EBS das Flores. Nunca estiveram lá, nunca vão estar lá, pois nem um ano são obrigados a lecionar lá. Ridículo, não? Imaginem que acontecia o mesmo com os profissionais de saúde: os enfermeiros e os médicos concorriam para o Centro de Saúde das Flores, entravam nos quadros do mesmo, mas nunca vinham trabalhar para as Flores. Ficavam as vagas, na prática, desertas porque eram ocupadas por “fantasmas”. Ficariam as escalas destes profissionais desfalcadas? Ou iam contratar pessoas licenciadas que não fossem enfermeiros nem médicos para ocupar os lugares vazios? Estaria tudo bem? Então porque é que com os professores pode funcionar assim? Quem é que no seu perfeito juízo pode achar bem uma artimanha destas?
Nada disto seria um problema se existissem muitos professores, de profissão, disponíveis para contratar (os professores contratados ocupariam as vagas dos do quadro que não fossem lecionar na EBS das Flores).
Terminada a contratação de docentes, a EBS das Flores ficou com 22 lugares por preencher. Segundo a Secretária Regional da Educação, no arquipélago todo ficaram 88 vagas por ocupar. Ou seja, só nas Flores ficaram 25% das vagas por ocupar de toda a Região. E esses 22 lugares também são cerca de um quarto dos professores necessários para o normal funcionamento da escola das Flores. É verdade que a escassez de professores é um problema geral, mas porque é que a situação mais grave se verifica na ilha das Flores, como foi anunciado no Telejornal da RTP Açores do dia 30 de agosto? Porque é que é assim?
Na verdade, não são só professores que não querem vir trabalhar para as Flores. Já todos ouvimos falar de concursos para fisioterapeutas, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, etc., que ficaram desertos. E insisto, porque é que é assim?
Por um lado, pela má fama que teimam em dar às Flores. “Ah, o inverno! “, “Ah, o barco!”, “Ah, o vento!”. Não têm morrido pessoas devido ao rigor do inverno das Flores, nem têm morrido pessoas à fome, porque o navio não encosta nas Flores. Nas Flores não faz vento que nunca tenha feito nas outras ilhas, pode fazer mais frequentemente, mas não são todos os anos, também. Vive-se nas Flores, e vive-se bem.
Por outro lado, falta habitação. Outro problema que é geral, mas que parece agudizar-se cá. O crescente turismo tem levado ao aumento do número de Alojamentos Locais e à consequente diminuição das casas disponíveis para alojamento de longa duração. Há profissionais que vêm trabalhar para as Flores e que têm dificuldades para arrendar um quarto. É óbvio que ninguém vai trabalhar seja para onde for sem ter uma casa para ficar.
Por falar em não ter alojamento, alguém viu o Governo Regional a comprar casas para esses profissionais deslocados, e essenciais, arrendarem nas Flores? Como fez no Corvo com a “casa dos professores”? Pois é, no Grupo Ocidental as coisas têm funcionado com dois pesos e duas medidas.
Também foi anunciado, no referido Telejornal, que o Governo está a trabalhar para que haja incentivos, em 2025, para a fixação de docentes nas ilhas onde há carência dos mesmos. Este tipo de afirmações faz-me lembrar a história do Pedro e o Lobo. Quem é que ainda acredita que esses incentivos vão ser criados? Ou quem é que acredita que esses incentivos, a serem criados, vão incentivar, verdadeiramente, os docentes a concorrer para as Flores?
Quantas vezes já ouvimos a conversa de que é preciso fixar população nas Flores? De que é preciso incentivar a vir viver para cá? A maior parte das pessoas já não acredita, já não tem esperança de que isso se torne real.
A verdade é que a ilha das Flores precisa urgentemente que se incentive a fixação de pessoas. Mais ou menos qualificadas. Faltam técnicos superiores, faltam assistentes técnicos, faltam assistentes operacionais. Têm de ser criados incentivos concretos e palpáveis, que tenham impacto nas vidas dos beneficiados.
Eu sugiro um incentivo: majorações dos ordenados em 20 ou 30% (para não dizer 30 ou 40, como já foi no passado) durante uns 8 ou 10 anos. E para todos! Para os que chegarem de fora, mas também para os que já vivam nas Flores, que ao longo dos últimos anos se têm desdobrado para manter tudo a funcionar. Estes também merecem uma majoração.
Custaria ao erário público subir os ordenados de toda a gente cá? Custaria, mas foi José Manuel Bolieiro, em junho, e curiosamente nas Flores, que quando questionado sobre o aumento constante da dívida da Região, respondeu que “são as circunstâncias da vida, o que é preciso é resolver problemas”. Pois bem, a falta de professores nas Flores não é um problema? A falta de profissionais de saúde nas Flores não é um problema? A falta de mão de obra nas Flores, seja de que tipo for, não é um problema?
Perdidos por cem, perdidos por mil! Façam alguma coisa útil por esta ilha! Basta de poupar dinheiro nas Flores para gastar noutro lado! Fecharam a Cooperativa Ocidental porque estava a atravessar uma fase em que não era lucrativa, mas para o Presidente não importa se se gasta dinheiro, é preciso é resolver os problemas! E não me venham com a conversa de que vão gastar muitos milhões no Porto das Lajes. Se o furacão Lorenzo não tivesse atingido as Flores, em que é que o Governo Regional estaria a investir nesta ilha? Num acrescento no Centro de Processamento de Resíduos, que depois teve a sua inauguração anunciada como se se tratasse da inauguração de todo o Centro de Processamento de Resíduos, inaugurado em 2012?
Está na hora de um Governo Regional fazer alguma coisa pela ilha das Flores. Está na hora de acabar com a conversa do “é preciso incentivar a fixação de pessoas nas Flores”. Incentivem! Quantos mais formos nas ilhas pequenas, mais baratas estas ilhas saem à Região. Recuso-me que a ilha das Flores seja vista só como um bom exemplo do crescimento do turismo. Recuso-me que a ilha das Flores seja transformada numa estância turística e que o resto seja só o resto. Há muito mais para crescer nas Flores, parece é não haver vontade.
É injusto se um enfermeiro, um polícia, um professor ou um assistente operacional das Obras Públicas receber mais dinheiro por trabalhar nas Flores, comparado com os colegas que trabalham em São Miguel, na Terceira ou noutra ilha? Alguns vão dizer que sim, mas seria uma forma de incentivar a que outros colegas procurassem vir morar e trabalhar cá.
O atual modelo do Concurso de Pessoal Docente também dá um grande jeito aos professores que querem trabalhar em São Miguel e na Terceira, e prejudica as escolas das ilhas pequenas como se tem visto na das Flores.
O Governo Regional, com esta história do concurso dos professores (e não só), tem-se mostrado implacável a denegrir a imagem da escola e da ilha das Flores. Durante vários anos, a escola das Flores teve os melhores resultados da Região (de escolas públicas) em exames nacionais. Orgulho-me de ter feito parte de uma das turmas que conseguiu este marco. A estabilidade de professores que tivemos contribuiu para isso.
Agora não é só a instabilidade. Para além da instabilidade, é mesmo o não haver professores! Estamos a assistir a um recuo de 30 anos, em que davam aulas professores que não o eram de profissão, senão não havia aulas. E isto tem impactos negativos na educação!
Contudo, os encarregados de educação das Flores pagam os mesmos impostos e os seus filhos têm direito a uma educação tão completa como as crianças e jovens de qualquer outra ilha. Apesar disto, ou ainda não perceberam a discriminação, ou vivem bem com ela, porque se mantêm em silêncio…

Francisco Maciel de Freitas

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