A questão levantada pelo CHEGA na Assembleia Legislativa Regional, relativamente ao Rendimento Social de Inserção, apesar da forma como foi abordada, reabriu um dos temas mais sensíveis na sociedade açoriana, de longa data, sem que se tenha feito o suficiente, quer da parte da Segurança Social quer, sobretudo, da parte da Educação onde reside o fulcro do problema.
Na verdade, o Chega abordou o tema da pior maneira, apresentado um Projecto de Resolução propondo que as crianças de pais inseridos no programa do RSI, desempregados fiquem em desvantagem no acesso às creches, em relação àquelas cujos pais trabalham. O diploma acabou por ser aprovado pelo CHEGA, PSD, CDS e PPM, com abstenção da IL, e votos contra do PS, do BE e do PAN.
Na prática, está-se a retirar a oportunidades a muitas crianças de iniciarem a sua educação, em igualdade de circunstâncias, multiplicando as situações que estão na origem deste problema.
O Pe. Júlio Rocha – com um dos seus magníficos textos – colocou o dedo na ferida e acabou por abalar muitas consciências e estremecer as estruturas partidárias. Todavia, independentemente de quem votou a favor ou contra, este é um dos temas em que todos têm culpa.
Estranha-se, porém, que o PSD, agora no governo e já com responsabilidades governativas em tempos anteriores, onde a questão da pobreza já se colocava, tenha votado o diploma nestes termos.
Apesar da incongruência da proposta, o facto é que acabou por ter eco em muita gente, sobretudo junto de casais que têm dificuldade em encontrar lugar nas creches, tendo por vezes de inscrever os filhos antes de nascerem.
Governo tenta apagar o fogo
O Governo veio de imediato dar conta dos números pedidos pelo Chega e com toda a frontalidade, pôs os valores em cima mesa, sublinhando porém que alguns casos têm justificação por se tratar de pessoas com limitações, Mónica Seidi, em declarações à imprensa, frisou que se tem verificado uma redução significativa do número de beneficiários do RSI – Os números não coincidem com os apresentados nos gráficos do presente artigo porque os número divulgados pelo governo referem-se apenas a cidadãos em idade laboral enquanto os valores apresentados aqui dizem respeito a todos os beneficiários, que são os dados disponíveis na plataforma estatística da Pordata.
Porém, confirmam, de igual modo, que há uma diminuição significativa, no total dos beneficiários do RSI.
Mais vagas nas creches
O governo veio também, de pronto, anunciar que “serão protocoladas mais 444 vagas na resposta de creche para fazer face ao início do ano letivo 2023/2024, nas ilhas de São Miguel, Terceira, Faial, Pico e Santa Maria”.
É uma medida de louvar — apesar de empurrada pelas circunstâncias –, aparentemente sem corresponder a um projeto político, mas não deixa de ser valorizado. Resta saber se serão suficientes.
Números continuam os mais elevados do país
Mas, se olharmos o quadro geral, sem o ruído dos debates partidárias, verificamos, que muita coisa precisa ser feita nesta matéria. Os quadros mostram, que mesmo com as descidas que se têm verificado, os Açores ainda apresentam números elevados, sobretudo na ilha de S. Miguel.
Não deixa de ser irónico que a ilha com maiores recursos e maior dinâmica económica seja a que apresenta maiores níveis de pobreza. Na verdade, trata-se de um problema que vem de longe, sempre desculpado pela situação herdada dos tempos antes da autonomia, mas o facto é que a autonomia já tem várias décadas e nunca se deu suficiente atenção a este fenómeno que nos fragiliza, sobretudo quando comparado com o conjunto do país e com a Região Autónoma da Madeira.
A introdução do RSI, antes Rendimento Mínimo Garantido, foi uma medida de grande alcance social, teve o mérito de tirar muita gente da pobreza e resolver muitas situações de fome. Não resolveu todos os problemas, mas tranquilizou consciências.
O Chega não merece grande apreço, pela forma como colocou o assunto, mas trouxe à praça pública uma das questões mais sensíveis da causa pública açoriana.
Até aqui nem sempre houve coragem. Mas, está na altura de quebrar a linda de conduta dos governos de optarem por obras que dão votos e orientar os investimentos que para projetos que tragam riqueza e equilíbrio social.
Rafael Cota