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Oito ilhas e uma ao abandono

Os Açores são, por inerência à sua natureza múltipla, um conjunto de ilhas de excelência, tanto a nível paisagístico, como de qualidade de vida, e de fortíssima herança cultural, onde se cruzaram climas, povos e narrativas para formar um palimpsesto existencial que, naturalmente, agrada a muitas das pessoas que visitam o Arquipélago. Todavia, a realidade escondida nas declarações governamentais é mais sombria do que seria de esperar.
As zonas de periferia, e as ilhas menos populosas, sofrem com o abandono. E quando acolhem o turismo, sofrem por faltar infraestruturas para proporcionar a quem nos visita uma qualidade digna, sem desprimor para a defesa dos nossos patrimónios, tradições e dignidades de quem cá habita.
Se essas carências são sentidas em várias ilhas, não consigo imaginar uma que tenha sofrido tanto quanto a das Flores. Em anos recentes, depois de furacões, tempestades políticas e ingerências dos responsáveis regionais, a ilha das Flores tem sido votada ao abandono, esquecida pelas políticas económicas, ambientais, culturais e sociais.
Enquanto tentamos escudar as nossas fraquezas em reportagens como a do programa da SIC, Portugal à Vista, que tratou o assunto com a unicidade colonialista de um olhar de lá longe, a verdade é que continuam a surgir notícias desoladoras vindas da ilha que me viu nascer.
A 23 de setembro, enquanto o presidente do Governo Regional se sentava para assistir ao jogo de futebol na confortável bancada do estádio do Bessa, a ilha das Flores estava sem condições de abastecimento, uma vez mais. O motivo prendeu-se com uma avaria de uma das gruas do navio que abastece a ilha e da igualmente gritante falta de visão, e capacidade de antecipação, para aquela carreira de transporte comercial, que permanece em graves dificuldades.
Na verdade, passaram-se semanas sem que o navio procedesse ao abastecimento das Flores. Era o arranjo da grua do navio que estava a atrasar e, claro, o governo regional não tinha culpa de tal. Mais tarde, na imprensa escrita regional, sabia-se que afinal o atraso não se devia ao arranjo da grua, mas sim ao diferendo entre o armador e a Opertri, responsável pela estiva no porto da Horta.
De facto, o governo regional não é responsável pela avaria da grua e pelas condições atmosféricas, mas a questão que não pode ser esquecida é a sua responsabilidade no abastecimento daquela ilha. Já era tempo de as e os responsáveis entenderem as especificidades das Flores e deter alguma capacidade de antecipação para, mais rápido, solucionar os problemas.
A RTP Açores noticiava a tristeza das e dos florentinos, incapazes de fornecer condições mínimas aos turistas que ainda visitam a ilha nesta altura do ano, e lamentando a imagem que passavam para o mundo. No dia seguinte, foi a Associação dos Bombeiros Voluntários de Santa Cruz que se pronunciou sobre o eventual risco de encerramento. Se tal acontecer, a ilha ficará entregue às suas gentes, num território tantas vezes fustigado pelas intempéries e os maus humores do oceano Atlântico. Que imagem de marca passará um território que não reúne as valências mínimas para suportar qualquer emergência básica? Que distinções merecerá o arquipélago, quando se arroga de ser o melhor nalguns lugares, e varre para debaixo do tapete tantos outros?
Nasci nas Flores e sempre que lá regresso vejo uma ilha enferma, sem atenção das pessoas que deviam zelar por todas e por todos os açorianos. Custa-me perceber que são milhares de pessoas esquecidas, em detrimento de uma qualquer vendeta que não se compreende. A falta de fundos, crónica, não é justificável num ambiente em que Lisboa está, pelo menos em teoria, totalmente concertada com Ponta Delgada. Os duodécimos não são desculpa, quando os estatutos de emergência existem, para serem usados quando é necessário. A desgraça de uns não pode ser o jogo da bola dos que deviam demonstrar mais sentido de Estado. A impunidade não deve ficar livre de julgamento.
Ao mesmo tempo que se sucedia a falta de abastecimento, as Flores receberam a visita do Sr. Presidente da Assembleia Legislativa dos Açores, Luís Garcia, que, assim, deu o pontapé de saída ao Roteiro da Juventude, numa espécie de “Guru motivacional Institucional” com a apresentação de casos de sucesso aos jovens de todas as ilhas para motivar à fixação e contrariar a perda de população jovem. Estou certa de que a figura máxima da Região constatou e percebeu a dificuldade que uma pessoa jovem sente em regressar àquela ilha, quando um simples iogurte pode faltar na prateleira. E, conhecendo Luís Garcia, mais certa estou de que terá feito chegar a mensagem aos responsáveis.
Por sua vez, a 25 de setembro era tornada pública a deslocação de D. Armando Esteves Domingues, no âmbito de uma visita pastoral, às Flores, onde afirmou que «A palavra que levo comigo é a da esperança». E eu, defensora do Estado Laico, espero que a visita destas duas figuras seja o abano necessário para o governo regional, já que as estruturas políticas das Flores, que suportam o governo, nada dizem.

P.S.: É, de facto, verdade que sempre procurei manter uma relação de cordialidade e empatia com todas as pessoas que foram colegas na nossa Assembleia enquanto lá trabalhei. Tal não justifica que se possam ignorar declarações danosas, como foram as proferidas por Joaquim Machado aquando do debate sobre a cultura. Falando em omissões, não nos esqueçamos que a sua resposta nunca referiu o património cultural, votado ao abandono e à chuva que cai dentro dos museus e bibliotecas dos Açores. Mas também deixo um outro apontamento, para recordar que não falamos de subsídios, mas de investimentos públicos, senhor deputado. Se a coligação gosta da palavra “investir” para as empresas e grupos económicos, só não a quer compreender na cultura porque parece que tem é falta dela. O respeito pelos agentes culturais deve ser só um. Tentar comparar e dividir é jogo político oportunista, ao nível do argumento da Venezuela, e fica mal a qualquer pessoa que o tente fazer. Termino como o senhor quase que começou, naquele dia na Assembleia: é uma pena que se tenha chegado ao ponto de ser necessária uma declaração política daquele género para alertar todas e todos os açorianos para a realidade nua e crua de que a cultura está em vias de extinção.

Alexandra Manes

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