Integrado (e muito bem) nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, um importante evento decorrerá este sábado, 26 de outubro, no Auditório da Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada: Uma homenagem pública a António Borges Coutinho.
Estamos a falar de um homem corajoso e determinante em múltiplos sentidos na marcação do calendário histórico micaelense e açoriano da resistência e da luta contra a ditadura salazarista/caetanista, nos Açores.
Como um dos pontos altos deste calendário destaca-se sem dúvida o seu encabeçamento da lista da Oposição Democrática (CDE) às fraudulentas eleições de 1969, e o seu trabalho para a respetiva composição, no ex-distrito de Ponta Delgada, onde apesar de todas as ameaças, intimidações e entraves à liberdade perpetradas pelo regime durante a campanha eleitoral, e das impunes e costumeiras golpadas na falsificação dos resultados, a ditadura não conseguiu impedir uma importante mobilização juvenil e popular nem apagar uma expressiva votação, superior a 22%, que significou o segundo melhor resultado do país obtido pelas listas da CDE, logo a seguir ao de Setúbal.
Apoiante público de Humberto Delgado, preso pela polícia política (PIDE) por mais que uma vez, e copromotor do histórico IIIº Congresso da Oposição Democrática (1973), em Aveiro, foram outros tantos factos que muito relevaram a sua estatura como influente político antifascista.
Um homem bom. Assim o consideravam os rendeiros das suas terras, pelo trato, respeito e tolerância face às respetivas dificuldades, praticando rendas baixas e pugnando por uma nova e mais justa lei do Arrendamento Rural.
Após o 25 de Abril, nomeado Governador Civil do ex-distrito, empenhou-se na democratização, política, social e cultural do arquipélago. Não perfilhando ideias separatistas, desautorizado pelo governador militar de então, e também por não pretender ser fonte de confrontações violentas entre açorianos, aquando do assalto de junho de 1975 ao Palácio do Governo, enquadrado numa vasta onda contrarrevolucionária que varria o país naquele verão e que, de forma brutal e criminosa, teve por alvo partidos e militantes de esquerda e o PCP em particular, Borges Coutinho demitiu-se publicamente.
Tais ações contrarrevolucionárias, “encostadas” a um dos lados do MFA, entretanto dividido, culminaram nas ações militares de 25 de novembro desse mesmo ano. Assistiu-se então à prática interrupção da consagração legal de inúmeras medidas progressistas, democráticas e revolucionárias, reclamadas pelo povo português logo após o derrube da ditadura, as quais conseguiram, ainda assim, ver-se salvaguardadas na Constituição de 1976, com a exceção do Serviço Nacional de Saúde universal e gratuito, consagrado depois, em 1979.
Em simultâneo com tais datas, de forma injusta, facciosa e intolerante para com a sua pessoa, Borges Coutinho viu-se então praticamente ostracizado pelas instituições regionais. Tal facto em nada obstaculizou a sua ação política nos Açores e no País, tendo-se ligado formalmente ao PCP e à CDU, e integrado as suas listas para a Assembleia da República até ao início dos anos 90.
Apesar de galardoado na República como Grande Oficial da Ordem da Liberdade, o seu falecimento (03/02/2011) foi praticamente ignorado pela imprensa regional e o voto de pesar respetivo, no Parlamento Açoriano, nem sequer foi unânime pois não foi acolhido pelos deputados do CDS/PP…
É esta a história parcelar de um homem indignamente injustiçado na sua própria terra. Aí estão os 50 anos da Revolução para finalmente resgatar de forma condigna a estima pública e institucional por tão destacado cidadão.
Mário Abrantes