Ainda não percebi onde está a surpresa (e a festa) com os 75 milhões “oferecidos” pelo Governo da República para abater dívida pública da Região.
Faz agora dois meses que avisei nesta coluna o seguinte: “Há vários anos que estamos a caminhar para uma espécie de resgate financeiro, que é o que se pede, agora, com a revisão urgente da Lei de Finanças Regionais. Todo o modelo em que assentou, nos últimos anos, o nosso desenvolvimento, foi um falhanço económico, porquanto permitiu criar uma administração pública regional monstruosa e desadequada, asfixiando o sector privado e a criação de riqueza, o que resulta numa economia altamente dependente do poder público, que, ainda por cima, é mau pagador e está mergulhado num buraco enorme de dívidas a fornecedores, não esquecendo a dívida financeira da administração e das empresas públicas, cujos juros davam para construir todos os anos um novo hospital.
Tivemos uma administração tão sovietizada, durante décadas, que até ensacava pacotes de açúcar e enchia latas de atum!”
No mês passado, voltei à carga: “Percebem, agora, a pressa dos políticos em rever a Lei de Finanças Regionais?
É que estamos todos de pantanas e temos que inventar um instrumento que nos salve. Não é um resgate clássico, como o da célebre troika, mas é um pedido de socorro para que alguém do exterior – neste caso a República – nos acuda da ruína em que se encontram as finanças públicas”.
Vêm, agora, 75 milhões de euros.
Não há mal nenhum pedirmos ajuda pelo descalabro em que pusemos as nossas contas nos últimos anos.
Já o tínhamos feito no tempo de Guterres, quando foi primeiro-ministro, que nos perdoou muita dívida.
O problema é que não aprendemos com os erros.
Se limpássemos a dívida regional hoje, daqui a uma década estaria tudo na mesma.
Aos anos que o Tribunal de Contas vem alertando, na apreciação das Contas da Região, para a falha dos sucessivos governos regionais, que não seguem o princípio da equidade orçamental, para não onerar as gerações futuras.
Só que os nossos políticos não aprendem.
Pelo contrário, estão sempre a pisar a linha vermelha da tão almejada “solidariedade intergeracional”, deixando uma herança pesadíssima para os nossos filhos e netos.
Só em responsabilidades futuras, até 2036, vamos ter que pagar 657 milhões de euros para duas parcerias público-privadas nos Açores.
São 494 milhões de euros para as SCUT de S. Miguel e mais 146 milhões de euros para os parceiros privados do Hospital de Angra.
Será uma média de 37 a 47 milhões de euros por ano, a que se juntam mais de 70 milhões de euros, todos os anos, só de juros da dívida financeira da Região.
Só aqui estão praticamente os 150 milhões que pedimos à República para o próximo orçamento.
Se somarmos a isto as centenas de milhões de euros de dívidas em atraso, mais as centenas de milhões de euros do buraco da SATA e as outras centenas das outras empresas públicas (todas em ruína!), ficamos com o retrato aterrador da herança que entregaremos às nossas gerações futuras.
Já o tinha escrito, aqui, várias vezes.
Como também escrevi, há mais de dois meses, o seguinte:
“O problema é que a despesa corrente da Região aumenta 20,97%, o dobro do aumento da receita corrente, e a de capital 17,7% (uma fração pequena da receita de capital) para uma despesa efetiva de 20,22%.
Conclusão: estamos desequilibrados como no ano passado (o ano do endividamento zero, que acabou por ser de mais de 100 milhões).
Pelos diferentes impostos (receitas fiscais), o IRS aumenta 2% (aumentaram quase 20% em 2023), o IRC aumenta 47,68% e os impostos indiretos aumentam 11%, com o IVA a crescer 10,93%.
Nas receitas não fiscais o aumento também é de 33%, impactado sobretudo por transferências do exterior.
Visto ainda de outra forma, a despesa corrente de 764 401 386,47 euros compara com a receita fiscal de 467 973 726,32 euros (61% da despesa corrente).
É uma estrutura já antiga, não é de agora, mas não está a melhorar.
Nem irá melhorar nos próximos tempos, porque não há milagres e, como diz um amigo, “puseram-se e puseram-nos a jeito”.
Chegados aqui, como no princípio, ainda bem que temos quem nos ajude, sem ter que recorrer à famigerada troika internacional.
Se continuássemos com o garrote dos governos de António Costa, aí sim, obrigavam-nos a chamar a troika.
A revisão da Lei de Finanças Regionais vai ajudar, mas não resolverá o nosso problema se não for acompanhada de uma profunda reforma de todo o nosso sistema administrativo.
E, também, de mentalidades políticas.
****
VERGONHA 1 – A prova mais recente de que temos uma administração regional preguiçosa e ineficiente veio estampada, sem o mínimo de pudor, no último comunicado do Conselho do Governo Regional.
O executivo de José Manuel Bolieiro aprovou uma resolução de apoio financeiro a uma cidadã das Sete Cidades, por perdas e danos patrimoniais decorrentes do mau tempo naquela freguesia no dia 20 de Agosto de 2023.
A 14 de novembro de 2023, foi tornada pública a abertura das candidaturas para a atribuição dos apoios previstos no regime jurídico-financeiro de apoio à emergência climática para as situações de perdas e danos patrimoniais decorrentes do fenómeno meteorológico extremo referido, recorda o governo.
E só agora, um ano depois (!), é atribuído o apoio devido.
Valor: 789 euros!
Se eu fosse o beneficiário, devolvia a quantia aos senhores secretários regionais, com a recomendação de, num próximo Conselho do Governo, tomarem uma cervejinha…
****
VERGONHA 2 – É irritante assistir ao afã dos deputados do PS, especialmente Francisco César, a criticar e apresentar propostas sobre a cadeia de Ponta Delgada.
Eles que estiveram 8 anos no poder, lá fora, e só conseguiram deixar-nos como herança um escandaloso monte de bagacina.
É preciso mesmo não ter vergonha.
****
BOA NOTÍCIA – No meio da desgraça política, uma boa notícia: o Governo da República terá aceitado a alteração, em Orçamento de Estado, para aumentar o valor do concurso das OSP para o Faial, Pico e Santa Maria, de 9 para 12,5 milhões de euros, coisa que os anteriores ministros trapalhões, Pedro Nuno Santos e João Galamba, não queriam.
Faz-se justiça aos Açores e, particularmente, àquelas três ilhas, estranguladas pelas acessibilidades aéreas.
Osvaldo Cabral
[email protected]