De acordo com o “Ciência Vitae”, (Plataforma Europeia de Registo Científico), a minha Grande Área e “Domínio de Atuação” é: “Ciências Sociais – Ciências da Educação” e “Humanidades – Filosofia, Ética e Religião”.
Neste texto pretendo explorar aspetos que se encontram, de modo explícito ou implícito, na Obra e Pensamento do Doutor António Braz Teixeira. A sua obra abre-nos imensos filões mas há um fundo comum e transversal que me interessa percorrer, até como modo de abrir chaves hermenêuticas, de compreensão e formação. Encontro na Obra do autor elementos fecundos para pensar e tematizar uma literacia, melhor, uma educação cívica e jurídica, ancorada em Valores Maiores. Neste artigo temos como referência principal de António Braz Teixeira o livro Sentido e Valor do Direito. Introdução à Filosofia Jurídica, sendo nosso propósito retomá-lo, noutros contextos, em interligação com outros livros, designadamente, Breve Tratado de Razão Jurídica, no qual, logo no primeiro capítulo, é aprofundada a temática “Direito, Linguagem e Razão”. Aí, o autor remete, logo, para o facto de que a filosofia, a literatura e o direito se expressarem “em palavras” (Teixeira, 2012, p. 15).
Neste artigo, também convocaremos outros autores, em traços de intertextualidade, numa dinâmica de significação e compreensão dos conceitos e das problemáticas em análise.
É muito significativo que é na Filosofia que o autor vai ancorar o seu pensamento sobre o Universo Jurídico e, mais fundo, a problemática sobre o que é o Direito e o ser do Direito, que remete para a Justiça como Valor e Ideal fundante, intemporal mas em transcurso no tempo, nos estados e nas sociedades. A Ontologia, a problemática do ser, é fundamental à compreensão da vida, do seu sentido, da coexistência humana e é, também, na Ontologia e na Filosofia do Direito, que encontramos a sua essência, – que se demarca de todos os positivismos – para além da vigência temporal, em positividade, de um determinado sistema ou ordenamento jurídico, como, por exemplo, certas leis, os códigos civis e legislação nos diversos setores de atividade humana. Importa sempre partir do Humano e assegurar a sua dignidade, também – e muito – pela via do Direito, este fundado na Justiça como Valor de Sol. Só assim, podemos ter a esperança do aprofundamento da Democracia, que só acontece em Estados de Direito Democrático, – adjetivo que substantiva o Estado e o Direito – que possam impedir que a pessoa se torne objeto manipulável, até com suportes legais, mas de uma suposta legalidade, que não o chega a ser, por já não estar referida aos fundamentos da Dignidade da Pessoa Humana e aos valores maiores. Só com Estados Justos, de Direito Democrático, podemos evitar que surjam as vítimas do “capitalismo selvagem”, – expressão de João Paulo II – dos bancos, e outras instituições, que se compram uns aos outros, na vertigem da má globalização – e perdem, por completo, o respeito para com os seus clientes, que são pessoas que se vêem perante algozes sem escrúpulos, sem rosto, ávidos do dinheiro pelo dinheiro, do lucro pelo lucro, da ganância sem limites. Há que reequacionar, no sistema jurídico, o equilíbrio entre o público e o privado. Privatizações em cima de privatizações podem provocar a cegueira devido ao vil metal e, depois, o sistema financeiro apoia-se numa máquina jurídica, criada para o efeito, que, no fundo, mata a essência do jurídico, que deve garantir “direitos, liberdades e garantias”, que deve ser o garante da segurança e liberdade das pessoas.
Os legalismos e os regulamentalismos são evidências de degenerescência da convivência humana, que urge regenerar, numa Sociedade de ódios, maldade, mentira e vingança, sentimentos negativos, globalizados. Há que criar antídotos. O Pensamento e Ação do Papa Francisco oferecem doutrina e referência, de verdadeiro alcance universal, filosófico, religioso ou laico, acima de tudo, humano, para ajudar a criar, – rompendo com as periferias – um mundo de inclusão, com sentimento de pertença, de partilha, de comunhão, apelando a que os pobres não sejam – nunca – objeto para investigação, mas protagonistas das suas próprias vidas. Essa é a condição que nos habita, a todos, sermos protagonistas, portanto, cidadãos, de pleno direito, todos, sem exceção nem privilégios. Esse Pensamento, de resgate humanista, cria outras, novas e renovadas disposições jurídicas e outros ordenamentos jurídicos das sociedades. O mesmo encontramos nos Papas anteriores, por exemplo na Encíclica Caridade na Verdade, de Bento XVI, onde as questões do ambiente, da economia, das finanças, dos valores – entre muitos outros aspetos – são pensados em grande profundidade, humana e no horizonte da Transcendência. Numa Sociedade em que há uma hiperjurisdicialização, é da maior relevância, atualidade e futuro repensar a ação humana à luz da Filosofia da Educação e da Filosofia do Direito, como modos e manifestações, profundas, da Cultura, que se enraíza no Ser e na Verdade do Ser, para que o agir humano natural e a consciência ética na relação interpessoal dispense – e rejeite – as malhas legislativas e haja um vínculo ao dever ser. E o Direito Romano é sempre uma fonte, bem como o Direito Canónico. Mesmo não sendo seguidos, podem constituir fontes de inspiração e bases sólidas para pensar o Elemento Jurídico como estruturante das Sociedades, das Instituições e dos fundamentos axiológicos da vida das pessoas. Basta, aliás, verificar que Filósofos como Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino – entre outros – podem inspirar um Pensamento Filosófico que, em muito, ajudam, sempre, a nutrir e a reperspetivar as ideias e os ideais que devem ordenar e regular a vida justa e boa das Pessoas e das Sociedades.
No livro Sentido e Valor do Direito. Introdução à Filosofia Jurídica, António Braz Teixeira, ao explicitar “A Justiça como princípio” (pp: 254 – 262) refere vários filósofos da Antiguidade, entre os quais Sólon, Anaximandro, Heraclito, Platão, Aristóteles e São Tomás de Aquino, na Idade Média.
Afirma António Braz Teixeira, ao explanar o Pensamento Filosófico de Gilberto de Mello kujawski, no tópico “A Metafísica do Perigo” numa reflexão sobre o perigo e a violência: “Se o perigo absoluto é estar no mundo, o perigo imediato é constituído pelo Outro, com cuja luta cada um de nós decide, ou não, ser ele mesmo”. (Teixeira, A.B., A “Escola de São Paulo”, p. 293). A Experiência torna-se vital e há que a compreender, nas suas múltiplas manifestações.
Husserl defendera que toda a consciência é consciência de… Fica, pois, explícito que há sempre um conteúdo do pensar e do pensamento e que a consciência não se fecha sobre si mesma, – o solipsismo é um absurdo -, a consciência está naturalmente e idealmente voltada para o exterior, voltada para a alteridade, o que garante a dinâmica da vida da consciência ôntica, da interioridade e da exterioridade, bem como da interação entre ambas, em doação de sentido, em profundidade da subjetividade e a criatividade da intersubjetividade, na busca da verdade. Ora, não podemos, nunca, abdicar da verdade e do sentido como realidades e atividades da Filosofia e da Razão. Acrescentaria que se pode e deve pensar com os cinco sentidos. Se a Filosofia é essa atividade que busca – sem possuir – a totalidade da realidade, então nada pode ser estranho à Filosofia, nem aos diferentes de em que a Filosofia se enuncia e anuncia como, por exemplo, Filosofia da Educação e Filosofia do Direito. Mas só fazendo uma reflexão, primeira e sistemática, em abertura e dinâmica, sobre o que é a Filosofia, é que estaremos em melhores condições para compreender o modo a Filosofia se põe e desenvolve num determinado domínio ou campo, sem se esgotar em nenhuma área.
No livro Sentido e Valor do Direito. Introdução à Filosofia Jurídica, afirma o Doutor António Braz Teixeira:
“Sendo, essencialmente, interrogativa, problemática e não solucionante, a Filosofia é, igualmente, reflexão, ou pensamento reflexivo, especulação ou pensamento especulativo” (Teixeira, 2010, p. 18).
O desafio “ousa pensar”, de kant, torna-se, afinal, um programa em aberto da Filosofia em qualquer ramo, torna-se num verdadeiro programa de Filosofia. Na realidade, a Filosofia não é um saber constituído – como, aliás, qualquer verdadeiro conhecimento, mas, sim, constituinte. Com a Fenomenologia, que é sempre um campo imenso por explorar – como matéria e como método – aprendemos que não há objetividade que se constitua sem uma subjetividade, sem um sujeito, neutralizando as pretensões de qualquer positivismo serôdeo. Mas a Fenomenologia também trouxe para todos os campos da Filosofia a valoração integral, íntegra e integradora da experiência e da vivência. O Capítulo da obra Sentido e Valor do Direito. Introdução à Filosofia Jurídica é enunciado assim: ”Experiência Jurídica e Ontologia do Direito”, O autor refere-se a vários tipos de experiência. Desde logo o conceito de experiência e, depois, exemplifica: experiência estética, experiência ética, experiência religiosa, experiência científica (Teixeira, 2010, p. 141). Distingue entre o conceito de experiência no sentido objetivo e experiência no sentido subjetivo (p.142) e explicita outras experiências como “experiência teorética” e “experiência prática”. E na sequência da referência à “experiência jurídica”, afirma, com grande alcance fenomenológico, tão importante para uma educação cívica e jurídica: “(…) todos nós, juristas e não juristas, nos encontramos, imediata e vivencialmente, com o jurídico, que nos rodeia e marca a nossa vida quotidiana.” (Teixeira, 2010, p. 143).
A problemática da experiência está bem presente na obra do Doutor António Braz Teixeira, não necessariamente numa afiliação fenomenológica, mas não estranha a ela, se bem analisado o discurso filosófico do autor.
Escreve António Braz Teixeira:
“A Filosofia é uma atividade que consiste na própria reflexão filosófica, é um caminhar gradual na busca da verdade. Assim, como a lição e o exemplo socrático nos advertem, só filosofando se aprende a filosofar, pois a filosofia é uma iniciação ou um saber iniciático, a resposta a um anseio íntimo ou a uma interrogação do próprio ser do filósofo e não uma disciplina ensinável ou um saber transmissível.” (Teixeira, 2010, p. 19).
O autor coloca, assim, também, o problema da ensinabilidade da Filosofia e do próprio filosofar. Trata-se de uma problemática bem presente em Hegel e Kant, que tinham abordagens e conceções diferentes. O desafio “ousa pensar”, de kant, torna-se, afinal, um programa em aberto da Filosofia em qualquer ramo, torna-se num verdadeiro programa de Filosofia. Quem não souber filosofar, a própria filosofia, em diálogo, com a vida, filosofando a partir da e na própria vida, na realidade nada acrescenta à claridade da experiência humana, como saber de si, dos outros e do mundo.
(Continua)
Observação 1: A Bibliografia será explicitada na última parte do Artigo.
Observação 2. Este texto foi publicado, na Íntegra, no livro António Braz Teixeira: Obra e Pensamento, Organização de Celeste Natário, Jorge Cunha e Renato Epifânio. Porto. Editor Universidade do Porto. Faculdade de Letras, publicado em 2018, pp: 161-192. (Texto integral).
Emanuel Oliveira Medeiros*
Professor Universitário
Universidade dos Açores
- Doutorado e Agregado em Educação e na Especialidade de Filosofia da Educação
Centro de Estudos Humanísticos da Universidade dos Açores
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas