“Está tudo mais caro”,
Esta devia ser a frase do ano, porque foi a que mais se ouviu neste 2024.
É só ir a qualquer loja do nosso comércio, nos centros urbanos ou nas freguesias, e a queixa é geral.
Mas há o outro lado que não conseguimos ouvir, o daqueles que não conseguem frequentar as lojas, porque não lhes sobra nada no fim do mês.
A estatística, há poucas semanas, dizia que a taxa de risco de pobreza nos Açores passou de 31,8%, em 2019, para os actuais 24,2%.
É um belo número para figurar nos discursos políticos, mas todos sabemos que a realidade é bem diferente quando se está no terreno.
Ainda há pouco tempo, o coordenador do último grande estudo sobre a pobreza em Portugal considerava que a forte dependência do turismo e da construção civil justifica a elevada taxa de pobreza nas regiões autónomas.
O professor da Universidade dos Açores, Fernando Diogo, que estuda o fenómeno há vários anos, sublinha que “a questão da história (e a estruturalidade que a ela está associada) bem como a relação com o mercado de trabalho são, em nossa opinião, determinantes para a compreensão da pobreza nos Açores. A (poli) insularidade foi também aflorada ajudando sobretudo a explicar a maior incidência do RSI na Região por contraponto com o resto do país. As questões da qualidade dos empregos disponíveis, das desigualdades de género no acesso ao mercado de trabalho e das qualificações escolares são outros fatores importantes para explicar a incidência da pobreza na Região, considerando os dados que foi possível coligir sobre estas áreas da vida social”.
Escrevemos aqui, há uma dúzia de natais, que eram notórios os sinais, na nossa sociedade, ainda que disfarçados, de que havia muitas famílias que estavam a esconder as dificuldades do seu dia-a-dia, a começar pelas inúmeras crianças que se queixavam nas escolas de não terem mais do que uma refeição por dia em casa.
Creio que ainda serão mais de 50% os alunos que recorrem à acção social escolar e já na altura se dizia que um quarto da população açoriana vivia em risco ou abaixo do limiar da pobreza.
Mudou alguma coisa?
É provável que sim, a acreditar na estatística.
Mas basta falar com as instituições sociais e ir à rua nas cidades com mais movimento, para constatar que há muita gente a pedir ajuda, sem falar da chamada pobreza envergonhada, que passa ao lado da estatística.
Os milhões que enterramos, em tantos anos, nas empresas públicas açorianas, com gestões ruinosas e irresponsáveis, davam para construir dezenas de escolas, porque a Educação é um dos maiores instrumentos de combate à pobreza, e mais profissionais de saúde que respondessem à brutalidade das listas de espera, sobretudo de doentes por estas ilhas fora sem possibilidades de terem acesso aos cuidados mínimos, exactamente porque são pobres.
Há cinco anos a Pordata anunciava que nas ilhas há menos poder de compra, o abandono escolar é mais precoce, a distribuição da população pelo território é desigual e em algumas ilhas nem sequer há um hospital, para concluir que é aqui que temos mais gente pobre.
Para a directora da Pordata, Maria João Valente Rosa, “a educação e a pobreza andam, de algum modo, de mãos dadas” – sobretudo quando os números indicam que, nos Açores, um em cada quatro jovens dos 18 aos 24 anos (27,8%) já não está a estudar e não tem o ensino secundário completo.
“A maioria da população das ilhas com 15 ou mais anos, e à semelhança do que acontece do continente, não tem mais do que o 9.º ano de escolaridade. Na Madeira, são 65%. Nos Açores, são sete em cada dez. A média nacional está nos 61%”, revelava, então, o estudo.
É um quadro desolador para uma região com quase 50 anos de governo próprio.
Este natal não é, ainda, um tempo de esperança para milhares de famílias açorianas.
E é para estas famílias que a prioridade devia estar focada nos mandatos dos nossos governantes.
Bom Natal!
Osvaldo Cabral