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A busca ilusória da imortalidade

Não há evidência coeva de que Ponce de León (1474-1521) tentou encontrar no continente americano a legendária «fonte da juventude» que expressava em óbvias implicações psicológicas a busca quimérica da perpetuidade existencial. Tanto quanto as fontes históricas merecem crédito, desde a antiguidade o esforço de outros atores não menos famosos para se livrarem da morte redundou em insucesso. Nos nossos dias, a promessa da vida eterna ainda existe como objetivo indireto em laboratórios de medicina, e outras disciplinas relacionadas, em prestigiados centros do ensino superior e empresas privadas. A pesquisa de um modo de transcender a mortalidade universal, todavia, levanta questões sobre a natureza da vida, da morte e o que significa ser humano.
Muitas culturas têm histórias fantásticas sobre a vida eterna. Na mitologia grega, com todas as caraterísticas libidinais e a promiscuidade inseparáveis da natureza humana, os deuses eram imortais. Endímio ficou conhecido pela sua fisionomia. Másculo e elegante, excitou a sensualidade da divindade da lua, Solene. Tão grande era a paixão que a deusa lhe dedicou, que se dirigiu o deus supremo, Zeus, pedindo para conceder-lhe a vida em perpetuidade. Zeus acedeu, condicionando o seu contacto, porém, a um sono eterno para que Solene o pudesse apenas admirar. A Bíblia dá-nos também a informação, decerto questionável, de personagens que teriam vivido durante centenas de anos. Um avô do Noé do Dilúvio Universal, Matusalém, supostamente alcançou a longevidade de quase um milénio.
Qin Shi Huang (259-210 aC), o primeiro imperador da China, enviou expedições para terras distantes, convencido de que alguém possuía o segredo de mantê-lo até ao fim do tempo. Entre outros elixires e benzeduras, parece que o alquimista real lhe deu a beber mercúrio. O metal altamente tóxico envenenou-o. Na Mesopotâmia, cerca de quinhentos anos depois de Narmer, primeiro faraó do Egito, e uns três mil anos antes de Constantino abraçar a cristandade, Gilgamesh, também intentou conseguir a imortalidade. Durante uma longa viagem de indagação acabou por compreender a inevitabilidade da morte.
No seu excelente livro 1494 (2012), Stephen Brown* conta-nos a morte do Papa Inocêncio VIII(1432-1492), que no leito da morte recebeu uma transfusão de sangue de três meninos de dez anos de idade.Como alimento, bebia apenas «leite de mãe». Em vez do prolongamento da vida, finou-se com as crianças.
Lucy, a «mãe das mães» que nos legou através do processo evolucionário a espécie a que pertencemos, teria vivido entre vinte e vinte e cinco anos. Estima-se que mais de três milhões de anos subsequentes, já homo sapiens sapiens ao tempo de Jesus, os humanos tinham uma existência média de trinta a trinta e cinco anos.
Na literatura, esta perceção muitas vezes leva a temas de carpe diem (aproveite o dia) e memento mori (lembre-se que deve morrer). São conceitos que nos alvitram que uma vida plena de contribuições para a alegria pessoal e da família, e da sociedade, nos deixam encontrar a conciliação com a fugacidade existencial e o reconhecimento pragmático da nossa finalidade. Os filósofos têm debatido a conveniência e as implicações da longevidade ilimitada. Platão (~ 427-328 aC), que morreu aos oitenta anos, acreditava na imortalidade, mas da alma. Para Emmanuel Kant (1724-1804), a vida eterna existe para além da vivência num estado corpóreo, porque sendo necessária para se atingir num longo processo gradual de «atualização» moral, os humanos não teriam tempo para alcançá-la numa única vida.
Estas histórias refletem o fascínio da humanidade pela ideia de viver para sempre. As implicações psicológicas do desejo de ser imortal possuem raízes na personalidade dos indivíduos. O desejo da vida infinita, ou pelo menos de uma existência longuíssima, nasce muitas vezes do receio do desconhecido e da aversão à inevitabilidade da morte.
A medicina moderna aumentou significativamente a esperança dos membros da nossa espécie viverem muito mais anos do que os nossos antepassados. Algumas empresas dedicam-se ao congelamento dos corpos após a morte, prevendo que tecnologias futuras poderão insuflar-lhes de novo o «sopro da vida». Cientistas exploram neste momento os fatores genéticos que influenciam o envelhecimento e a longevidade.
No seu livro Homo Deus, Yuval Harari explora como os avanços da tecnologia e da medicina podem levar a humanidade a ultrapassar o envelhecimento e retardar a morte. Discutindo as implicações éticas e sociais de tais avanços, Harari postula que os humanos poderão eventualmente alcançar uma condição de seres superiores, através de aperfeiçoamentos biológicos, engenharia genética e inteligência artificial. Esta cognição é consistente com a ideia dos humanos semelhantes aos deuses, sugerindo que no futuro os nossos descendentes poderão transcender as limitações da nossa estrutura biológica atual.
As ideias deste autor suscitam o debate sobre o equilíbrio entre o progresso tecnológico e a responsabilidade ética. Por exemplo, à medida que a esperança de vida se prolonga, o poder económico favorece quem possui os bolsos mais fundos para pagar pelas tecnologias utilizadas pela medicina com o fim de lhes acrescentar a existência. Em quase todas as sociedades, os ricos e influentes gozam já de acesso privilegiado aos serviços de saúde de melhor qualidade. Esta prioridade dada a quem paga mais sem rastro cria disparidades significativas em termos de saúde e longevidade entre ricos e pobres.
Não é possível parar completamente o envelhecimento. No entanto, a compreensão dos fatores genéticos e ambientais do processo biológico está na base da inovação científica que atrasa os seus efeitos. À medida que avançamos no percurso da dinâmica futurista no pensamento e nas práticas científicas que emergem quase diariamente para nos elevarmos à categoria dos deuses, é fundamental examinar os potenciais aspetos científicos e tecnológicos, nas suas implicações éticas, sociais e políticas ainda inopinadas. É preciso estabelecer diretrizes e regulamentos claros e justos para harmonizar com o bem comum da sociedade o desenvolvimento e a distribuição de tecnologias que prolongam a vida.

Manuel Leal

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