As línguas são sistemas dinâmicos como as sociedades que nelas se expressam. Na sua evolução, ajustam-se às mudanças culturais, económicas e políticas. Neste processo de adaptação linguística, reflete-se a capacidade de permanecerem funcionais e relevantes perante os desafios do pensamento e da modernidade na competição internacional.
Em termos históricos, o português ganhou destaque como língua franca aquando do período épico dos Descobrimentos, cujas implicações marchetaram na memória histórica o fenómeno quase incrível de um país com um território minúsculo e cerca de um milhão de habitantes alcançar o predomínio dos mares e uma influência global. Mas a decadência inevitável após a crise da independência de 1580 a 1640 prosseguiu até ao limiar do século vigésimo primeiro.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o inglês americano substituiu todas as outras línguas como principal meio de comunicação internacional. O crescimento do inglês e da sua influência generalizada levou à crescente adoção de vocábulos ingleses no português, apesar da resistência dos puristas linguísticos.
Ao examinar as trajetórias evolucionárias do português, (até do latim) e do inglês americano, compreende-se melhor as forças que moldam a sobrevivência e a adaptação linguística no mundo globalizado porque a língua é mais do que um meio de comunicação. É uma ferramenta de sobrevivência e adaptação. A sua relevância como instrumento cognitivo e de divulgação do progresso pode ser percecionada pela capacidade de atender às necessidades dos seus falantes. Quando as sociedades se expandem ou inovam para acompanhar o zeitgeist científico e tecnológico determinado além do seu espaço cultural, as suas línguas geralmente adaptam-se a novos contextos absorvendo influências estrangeiras. Cada momento excecional no trajeto da civilização teve início nas ideias e blocos basilares lançados por gerações anteriores.
O português oferece um exemplo marcante deste processo de integração rápida na expansão do conhecimento científico, tecnológico, político, económico e artístico da globalização. Durante os séculos décimo quinto e décimo sexto, Portugal foi deveras uma potência planetária. O português era a língua franca do comércio e da diplomacia em muitas regiões onde os interesses europeus se faziam sentir para além da Europa. À medida que potências coloniais como a Inglaterra e a França ascendiam, as suas línguas ofuscaram o português. Ainda assim, a contribuição do português legada ao Mundo permanece na realidade dos falares oficiais e nos crioulos e dialetos que surgiram nas antigas colónias.
O inglês americano, neste século vigésimo primeiro tornou-se a língua da ciência, tecnologia, negócios internacionais e cultura popular. De revistas académicas às grandes produções de Hollywood, o inglês americano domina a conversa global e enche as estantes das bibliotecas. A sua ascensão como língua franca mundial fez-se através da inovação tecnológica e do poder cultural. O português, porém, ganhara predominância sobretudo através da exploração marítima e do comércio.
Na comunidade científica, o inglês é a principal língua de pesquisa e publicação. Domina os negócios internacionais, com as grandes empresas multinacionais preferindo-o na comunicação. Filmes de ação, programas de TV americanos e plataformas digitais consolidaram ainda mais o inglês como a língua do entretenimento global.
Nos países lusófonos, este domínio americano levou à infiltração gradual de vocábulos ingleses. Palavras como marketing, software e startup tornaram-se comuns no português, denunciando a adaptação da língua a contextos modernos num processo de empréstimo linguístico que cria há anos controvérsias renhidas.
Um dos esforços notáveis para preservar e fortalecer a nossa língua como idioma global resultou no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Ao criar uma ortografia padronizada, o acordo promove uma maior coesão entre os nove países onde o português é a língua oficial. No entanto, o Acordo Ortográfico não vigora sem dissidentes. Críticos em Portugal argumentam que as mudanças favorecem o português brasileiro e enfraquecem as características únicas do português europeu. Apesar desta resistência, o acordo representa um compromisso mais amplo com a preservação da influência internacional do idioma numa era de homogeneização linguística.
Em vários países lusófonos, como se observa no Brasil, a intelligentsia opõe-se à entrada de termos do inglês, vendo-os como uma ameaça à integridade do idioma. Em Portugal, os puristas linguísticos argumentam que a adoção de termos estrangeiros dilui a identidade única do português europeu e fomenta a desintegração. Na realidade, porém, a sobrevivência do português como idioma global dependerá da capacidade de permanecer relevante no planeta em rápida mudança, com anglicismos americanos ou sem eles. A aglutinação frequente nos termos em inglês não é fácil de replicar no português.
Embora o português continue sendo a língua oficial de nove países e o idioma natal de quase 270 milhões de pessoas, as suas perspetivas futuras não são garantidas para além de fala de conversa doméstica. A longo prazo (como o latim no império romano, por exemplo), na Europa o inglês um dia será o idioma predominante nas chancelarias e no diálogo das nações.
As histórias do português, do latim e do inglês americano sublinham a natureza dinâmica da língua. A ascensão e queda de cada língua refletem as forças sociais, económicas e políticas do seu tempo. Embora o português possa já não ser uma língua franca global, a sua resiliência reside na adaptabilidade e no seu longo legado cultural de amplitude universal.
Manuel Leal