Já tínhamos o monstro burocrático do sistema administrativo regional e os seus gigantescos tentáculos por tudo onde se mexe, uma galáxia que criamos neste meio século de Autonomia.
Agora, andamos a criar um outro pequeno monstro de burocracia inoperacional que é o sistema regional de saúde.
Bastava olhar para a situação caótica que se vive no sector a nível do país, para percebermos que não queremos uma imitação na nossa Região, mas a ineficácia das políticas, ao longo dos anos, demonstra, todos os dias, o contrário.
Há hospitais e Unidades de Saúde de Ilha (nem todos) que começam a ser vistos pelos doentes como estruturas altamente burocráticas, onde a máquina emperra em cada esquina administrativa ou em cada corredor da doença.
A notícia dos últimos dias de que os pedidos de consulta referenciados pelos Médicos de Medicina Geral e Familiar “são triados e devolvidos quando não reúnem critérios de referenciação hospitalar” e que só após a devolução é solicitado que o médico proceda a reavaliação do doente, leva-nos logo a questionar: então para que serve o médico de família, para complicar?
É tal e qual quando a medicina familiar envia o doente para um especialista, este determina um tratamento específico e o doente tem que voltar à sua unidade de medicina familiar para receber o “passaporte” com o “visto” para o respectivo tratamento. Uma perda de tempo e de burocracia. Isto faz sentido? Mais à frente conto um exemplo.
A outra diligência burocrática incompreensível é não conseguir pôr a funcionar um aparelho de Estimulação Magnética Transcraniana, para tratar os doentes com a doença Machado-Joseph, coisa para funcionar só lá para daqui a uns meses, segundo explicação da Secretária Regional, ficando o equipamento ali, encostado à parede.
Os doentes que esperem, como é padrão do nosso sistema regional de saúde, onde as listas de espera cavalgam dia após dia.
Cada paciente vai ficando com a ideia de que, no meio da rigidez de formalidades supérfluas, se perdeu o sentido de prioridades.
Outro exemplo prático que testemunhamos esta semana: um doente não consegue consulta com o médico de família num pequeno centro de saúde, numa das nossas pequenas freguesias de um grande concelho (“só daqui a dois meses”!), e vai por sua conta e risco a um especialista fisiatra, que lhe receita fazer fisioterapia.
Regressa à unidade de saúde do médico de família para pedir requisição para o tratamento e é recambiado, de papelinho na mão, para o centro de saúde do concelho, “que lhe dirão onde fazer a fisioterapia” .
Chegado ao referido centro de saúde, dizem que houve falha, tem que voltar à origem para ser “referenciado” pelo médico de família e “colocar na plataforma” o tipo de tratamento.
E lá vai o doente, novamente recambiado administrativamente, sempre de papelinho na mão, entregar o dito cujo aos serviços administrativos, “que depois telefonamos para si”, regressando a casa de mãos a abanar, sem saber se morre da doença ou da cura, sobretudo se for um doente idoso e sem transporte próprio para andar cá e lá.
Nesta espécie de via sacra, o doente, carregando a cruz das dores, já vai com quase uma semana à espera que a unidade de saúde lhe rogue a “sentença”!
Na era do digital e dos investimentos gigantescos do PRR para a “transição digital”, a nossa saúde ainda é tratada como no século dezanove.
Pobre de quem é doente nesta terra.
Dizem que a burocracia mata.
É por isso que, antes de perguntarmos à República se nos dão a reforma mais cedo porque morremos mais cedo, devíamos questionar porque razão morremos mais cedo nestas ilhas.
Com um sistema de saúde cada vez mais pesado, emperrado, burocrático, inoperacional, ineficiente e cheio de desperdícios, apesar dos milhões investidos, há, pelo menos, uma certeza: a esperança (de vida) é a última a morrer (sem ironia).
Mas não deixa de ser um calvário.
Osvaldo Cabral
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