No dia seguinte ao incêndio do Hospital de Ponta Delgada, escrevemos o seguinte: “Já é tempo de se pensar num novo hospital, no mesmo local ou noutro, mais moderno, mais funcional, melhor equipado e bem gerido, em vez de se estar com obras de requalificação espalhadas por todo o edifício, no valor de vários milhões de euros, que são apenas remendos, alguns dos quais dificultando ainda mais o aspecto organizacional da estrutura”.
Este pensamento não era original.
Há muitos anos que se falava, nos corredores do HDES, na construção de um novo hospital.
Em Dezembro de 2020, a propósito do descalabro em que os governos da última década nos deixaram no sector da saúde, também escrevi o seguinte: “(…) não houve dinheiro para ampliar o Hospital, não houve dinheiro para montar uma boa rede de Cuidados Continuados, mas houve para pagar a pesada factura da Saudaçor, com uma dívida de mais de 750 milhões de euros, com uma estrutura que gastava, só em salários, quase ou tanto como se fossem Directores Clínicos. Esta ruinosa entidade da nossa Saúde pagou no ano passado, só em juros, a módica quantia de 27 milhões de euros! Dava para mais um Hospital”.
A ministra da Saúde, quando veio visitar o HDES, nos dias seguintes ao incêndio, também foi convencida de que haveria “um novo hospital”, disponibilizando o apoio da República para o novo investimento.
O anterior Secretário Regional da Saúde, Clélio Meneses, chegou a apresentar internamente um projecto com várias fases para a construção de um novo hospital em Ponta Delgada, que passava por três hipóteses de financiamento: parceria público-privada (à semelhança do hospital de Angra), apoio do Governo da República, como projecto de investimento de interesse nacional (PIR), ou apoio comunitário especial para região ultraperiférica, através do POSEI.
Ficou tudo em águas de bacalhau a partir do momento em que o discurso deste governo começou a derivar para outra narrativa, com trocadilhos de “hospital novo” em vez de “novo hospital”, alguma desorientação estratégica e falta de coragem para assumir um projecto arrojado.
Agora está à vista de todos as consequências de tanta desorientação, impasses, incumprimentos, substituições de administrações atrás umas das outras e falta de um discurso claro e consistente que justificasse o hospital modular e o atraso na recuperação do velho edifício do HDES.
Esta semana o ex-administrador António Vasco Viveiros teve a coragem de denunciar as enormidades que se cometeram a seguir ao incêndio.
Já gastamos 30 milhões num hospital modular ainda incompleto, vamos ter que pagar à CUF mais uns milhões e agora anuncia-se uma nova área a construir e remodelações no actual, no total de 84 mil metros quadrados.
Segundo me garantem os entendidos, se equipararmos ao custo do m2 do Hospital do Oriente, em construção, vai totalizar mais de 174 milhões de euros, ou seja, o custo de um novo hospital com 390 camas!
Só para comparar, dizem-me os mesmos especialistas, o novo hospital do Funchal vai ter 565 camas e custará 350 milhões de euros.
No HDES houve quem defendesse um novo hospital, um hospital de agudos, com um máximo de 180-200 camas, num conceito de Centro Hospitalar, com o actual HDES na retaguarda e em redundância.
Ninguém quis saber e seguiu-se a linha de quase pensamento único, discutido e decidido apenas num gabinete.
A opção, como está anunciada, é de remendar, módulo atrás de módulo.
É uma opção política e não técnica, mas convém ir explicando muito bem como se chegou até aqui, porque razão se toma esta opção e quanto vai custar aos nossos bolsos.
Foi porque o governo anterior, do PS, nunca soube explicar a gestão desastrosa que fez da SATA, que foi caindo aos poucos, eleição após eleição.
Se o governo da coligação não quer ter uma nova SATA, o melhor que faz é começar a justificar, com toda a transparência, que caminho está a tomar na Saúde e porque não escolhe outras alternativas.
Caso contrário, terá mais um “cachalote” nas mãos.
Osvaldo Cabral
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