Nos tempos que correm vem estalando rápida e ruidosamente o verniz democrático das chamadas democracias liberais do mundo ocidental, onde nos integramos. Ao aviltamento da componente democrática, sucede o domínio progressivo e descontrolado do capitalismo liberal, renega-se a ordem mundial em vigor, e escancaram-se as portas aos perigosos e belicamente inseguros caminhos da desordem planetária.
O anúncio público do presidente dos EUA da intenção de apropriação de riquezas naturais de outro país (Ucrânia) no valor de 500 mil milhões de dólares, em troca de armas, ou do rompimento do acordo de cessar-fogo em Gaza e da ameaça de criar o inferno exterminador a 2 milhões de palestinianos aí residentes, para comprar os terrenos da Faixa de Gaza e os transformar num resort de luxo do médio oriente, na sequência do inferno imposto no mesmo território pelo governo sionista de extrema-direita de Israel, pouco têm a haver com a democracia de que formalmente ambos os Estados se dizem respeitadores. Antes têm a haver com o estabelecimento da lei do mais forte para a resolução dos conflitos internacionais.
Quando no seio da Europa comunitária e dos seus órgãos institucionais, recrudesce o racismo, a ostracização dos emigrantes, se propaga o culto armamentista e da guerra, se decretam de novo formas de censura, se propagam formas de marginalização política e ideológica, se reforça a implantação dos partidos de extrema-direita e a tolerância para com as suas ideias dentro do sistema, e se relegam para segundo plano os direitos sociais e laborais, é a democracia que se está dissipando em nome de interesses a que ela é totalmente alheia.
Quando se transforma a floresta, pelo fogo ou pelo abate, em terrenos de construção ou plantações intensivas de culturas para combustível. Quando se renegam unilateralmente acordos internacionais de proteção e conservação ambiental. Nada disto pode ser imputável à democracia.
No século passado, o liberalismo capitalista, para responder ao desafio socialista do pós-guerra no chamado Bloco de Leste, recorreu com algum sucesso à democracia e aos direitos sociais com ela correlacionados para se conseguir afirmar política e economicamente no mundo. Mas mal caiu o Muro de Berlim deu início a um processo de degradação da democracia, começando por dispensar progressivamente a sua componente social e quedando-se pela sua expressão política formal e institucional. Já pelo século XXI adentro, a evolução concentracionária do capital e a cada vez mais desigual distribuição da riqueza, social e geograficamente considerada, aliada à globalização mercantil e financeira no mundo, têm vindo a extirpardo seu corpo o saudável colete de forças da democracia que, malgrado a degeneração desta, ainda lhe estorvava os movimentos, optando por novas formas políticas de expressão cada vez mais conotadas com ideologias totalitárias, xenófobas, racistas e fascizantes, em acelerada expansão graças às novas tecnologias da comunicação e da manipulação da informação.
Dividindo o povo e enchendo de incertezas e equívocos a sua consciência coletiva, tudo se torna mais fácil na marcha do liberalismo capitalista. E o ataque começa naturalmente pelos mais fracos.
Vociferar pelo fim do rendimento mínimo para os mais débeis, como faz a extrema-direita em Portugal, ou ameaçar com o inferno dois milhões de seres humanos do outro lado do planeta, como faz o neo-liberal Trump, são expressões precisamente com a mesma origem…