A inteligência artificial (IA) tem o potencial de transformar radicalmente o mundo para melhor. É uma tecnologia que pode oferecer oportunidades e benefícios extraordinários à escala global e que pode revolucionar diversos setores e aspetos da vida humana.
Para além de impulsionar o progresso em áreas críticas como a saúde, a educação, a economia e a sustentabilidade ambiental, a IA promete avanços consideráveis no conhecimento humano e melhorias na qualidade de vida. Com a sua capacidade de processar e analisar grandes volumes de dados a velocidades muito superiores às que estávamos habituados, a IA pode acelerar descobertas científicas, otimizar processos industriais, personalizar serviços e resolver alguns dos problemas complexos que atualmente desafiam a humanidade.
Para uma região insular como os Açores todos os avanços tecnológicos que aumentem a capacidade de se trabalhar e gerar valor remotamente são vantajosas. A IA pode impulsionar significativamente setores-chave da economia açoriana, como a energia, a agricultura, a pesca e o turismo, através da automação e otimização de processos. Por exemplo, no setor turístico, sistemas de recomendação baseados em IA podem sugerir roteiros turísticos personalizados, considerando preferências individuais, condições meteorológicas e a capacidade de carga dos locais, promovendo assim um turismo mais sustentável e melhorando a experiência de cada visitante. Os gestores de alojamentos turísticos podem usar algoritmos de IA para ajustarem os preços automaticamente com base na procura, analisando simultaneamente os preços da concorrência, o custo dos voos para os Açores e vários outros fatores relevantes para os turistas, maximizando assim os seus rendimentos. Os sistemas de IA podem gerir reservas de forma mais eficiente, reduzindo erros, otimizando a ocupação, antevendo a necessidade de contratação de recursos humanos, compra de consumíveis e programando intervenções de manutenção nos alojamentos de forma a se evitarem problemas em época alta.
Na agricultura e pecuária, tradicionalmente importantes para os Açores, a IA pode revolucionar as práticas existentes. A utilização de drones e sensores, combinados com algoritmos de IA, permitirá a monitorização avançada de culturas e pastagens e do comportamento dos animais. Estes sistemas podem prever doenças, otimizar o fornecimento de água ao gado, a irrigação nos terrenos de cultivo, a utilização de fertilizantes, e determinar os momentos ideais para cortes de erva, colheitas, abates ou ordenha, aumentando a eficiência do setor e o bem-estar animal.
As pescas, outro pilar económico da região, podem beneficiar de sistemas de IA para previsão de zonas e calendários de pesca ótimos, particularmente para espécies migratórias, e dos preços prováveis de venda em leilão de cada espécie. Baseados em dados oceanográficos e históricos de captura, estes sistemas podem reduzir o tempo de busca e o consumo de combustível, tornando a pesca mais eficiente, sustentável e rentável. No estudo dos recursos pesqueiros e no combate à pesca ilegal, os cientistas e as autoridades passarão também a ter uma capacidade acrescida de monitorização de vastas áreas oceânicas. Para além do uso de drones com grande autonomia e sensores avançados, podem beneficiar de algoritmos de IA para uma análise fina de imagens de satélite e de dados de posicionamento de embarcações, para identificar atividades suspeitas em tempo real. Trata-se de um conjunto de avanços tecnológicos que, em última análise, beneficiará os pescadores açorianos.
Para além das ciências oceânicas, as geociências podem também ter uma evolução considerável. Os cientistas passarão a ter ao seu dispor instrumentos que lhes permitem analisar grandes quantidades de dados históricos e conceber modelos mais complexos dos fenómenos sísmicos. O emprego de IA permitirá prever com maior precisão e antecedência sismos de magnitude elevada e erupções vulcânicas.
No campo das energias renováveis, crucial para a sustentabilidade da região, a IA pode facilitar a implementação de redes elétricas inteligentes. Estas redes utilizam IA para otimizarem a distribuição de energia, integrando fontes renováveis como a geotérmica, a eólica e a solar. A IA pode ajudar a prever a produção elétrica a partir de fontes intermitentes usando dados climáticos, e também prever melhor a procura com base em padrões de consumo. Estas melhorias não só aumentam a eficiência energética, mas também contribuem para a independência energética dos Açores.
Para acolhermos e maximizarmos estes benefícios, é crucial que a região tenha uma infraestrutura digital robusta, incluindo conectividade de alta velocidade proporcionada por cabos submarinos e a instalação de centros de dados locais. Esta infraestrutura não só suportará as aplicações de IA mencionadas, mas também criará oportunidades para o desenvolvimento de um ecossistema tecnológico local, atraindo empresas e criando empregos qualificados na região.
No entanto, para se aproveitar plenamente o potencial da IA, os Açores devem abordar desafios como possíveis desigualdades tecnológicas, a necessidade de requalificação da força de trabalho e a adaptação do quadro regulatório. Investimentos em educação e formação em IA e ciências de dados e a implementação de políticas que promovam a inclusão digital são estratégias essenciais para mitigar os riscos e promover os benefícios da IA na região.
A integração estratégica da IA nos Açores, apoiada por uma infraestrutura digital adequada e um aumento da literacia tecnológica, oferece uma oportunidade única para a região superar as suas limitações geográficas e se transformar num polo de inovação. Ao aproveitar estas tecnologias de forma inteligente e inclusiva, os Açores podem não apenas impulsionar seu crescimento económico, mas também melhorar significativamente a qualidade de vida dos seus habitantes, posicionando-se como um modelo de desenvolvimento sustentável para outras regiões insulares e periféricas.
Existirão riscos associados à adoção em larga escala da IA? Seguramente que sim. Serão comparáveis aos que corremos com a entrada de computadores nas nossas casas, o acesso à Internet ou a generalização do uso de telefones portáteis. Foram desenvolvimentos que trouxeram algumas consequências negativas às nossas vidas, mas cujo balanço global foi muito positivo. Como diz um amigo meu, “nada será como dantes, mas antes já nada era como tinha sido”.
Fausto Brito e Abreu*
- Ex-Secretário Regional do Mar, Ciência e Tecnologia