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O Faial de Maria Teresa Horta

A 20 de maio de 1937, nasceu, em Lisboa, Maria Teresa de Mascarenhas Horta, que viria a ser uma das “Três Marias” que ajudaram a abanar a ditadura de Salazar. No pretérito dia 4, aquela que ainda resistia às lutas e à vida quotidiana, partiu aos 87 anos, deixando-nos um legado de combate ao fascismo, de lutas pelos direitos das mulheres e pela normalização da vivência e expressão da sexualidade feminina, através da sua escrita, mormente a poesia.
Insubmissa e feroz defensora dos ideais que a norteavam, Teresa Horta viveu 87 anos de uma vida plena e realizada, porque guiada por objetivos claros que a fizeram sofrer muitas vezes, mas nem por isso a intimidaram ou a fizeram desistir. A Teresa não se vergava nem se vergou nunca e assim foi até ao fim. A sua fragilidade física era revestida de uma rebeldia e coragem imensas, patentes no seu pensamento, na sua obra, nas entrevistas que concedeu e nas conversas que com ela pude ter.
A Teresa viveu para os outros. Digo isto, porque os seus combates não foram egoístas nem tinham o intuito de defender interesses próprios. Portugal ainda não conhecia o sabor da liberdade e já ela sonhava assim viver, sofrendo na pele as consequências desse desejo. Somos herdeiros das suas batalhas.
Porém, falar da Teresa é também falar da ilha do Faial. Talvez sejam poucos os que sabem que ela viveu naquele paraíso plantado no meio do Oceano. Fê-lo por volta dos 5 anos, quando o seu pai, o médico Jorge Horta, foi mobilizado para ali trabalhar em 1941.
A estadia não foi muito longa, mas foi suficiente para deixar marcas indeléveis no seu espírito e obra. Basta ler o seu livro de contos Meninas para compreendermos o quão marcante foi a passagem pelo Faial na vida da nossa poetisa. A sua paixão pelo azul do mar, pelo cheiro da maresia e pela vista que tinha para a montanha do Pico, onde imaginava as bruxas em seu redor, são referências feitas no livro e eram mencionadas, vezes sem conta, nas conversas que íamos tendo, sempre entre sorrisos e saudades de contemplar tudo isto presencialmente. Contudo, toda esta imagética permaneceu na sua memória por mais de 80 anos. E é incrível lê-la, tal como era ouvi-la, pois os pormenores com que descrevia a Horta nos anos 40 – e ela achava imensa piada ter vivido numa cidade com o seu apelido – davam-nos a ideia de que tinha regressado várias vezes, mas isso nunca aconteceu. É incrível.
Tendo vivido no Faial, mesmo que pouco tempo, existindo referências à ilha e à sua paixão pela mesma na sua obra, é uma pena que a Teresa nunca tenha sido homenageada por nenhum executivo camarário que decerto sabia e sabe da ligação da escritora à cidade da Horta. Mas, infelizmente, não me admira. Afinal, a Teresa foi ignorada e preterida no seu país durante décadas a fio, tendo o reconhecimento da sua obra começado no Brasil para, depois, aparecer meio envergonhado em Portugal. Ela foi sempre combativa e desobediente porque pensou por si, sem obedecer a agendas e interesses que não fossem os da liberdade, da justiça e da igualdade. E pagou por isso, sendo esquecida e temida nos meios académicos e intelectuais porque o seu pensamento e a sua palavra eram fogo para muita gente.
Nos últimos anos, o reconhecimento, as condecorações e os prémios lá foram chegando, ficando a faltar o Prémio Camões, que era de inteira justiça. Também justa seria, ainda que póstuma, uma homenagem do Município da Horta a esta mulher que morreu apaixonada pelo Faial. Num dos meus muitos regressos a casa, corria o ano de 2021, enviei-lhe algumas fotografias e escrevi – “partilho contigo esta beleza”. A sua resposta não tardou – “obrigada, Adriano, meu amigo. Sempre linda-maravilhosa essa nossa ilha”. Ela saiu da ilha, mas ilha habitou-a sempre.
Que o seu legado possa ser transmitido aos mais novos e que lhes façamos compreender o dom que é vivermos em liberdade, que começou a ser conquistada com a luta de muitos homens e mulheres que, como a Teresa, não se conformaram.

Adriano Batista

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