“Cada um dos textos do livro mostra a importância da comunicação clara; a necessidade de ouvir os outros com ouvidos de ouvir, como dizemos “olhar com olhos de ver”; de nos debates, não nos dispersarmos do tema em questão; de termos ideias claras e formulações rigorosas; de admitirmos que nunca estamos na posse da verdade; que debater é percorrer em diálogo caminhos na procura da verdade que, na sua totalidade, é inalcançável.”
Há já muitos anos que venho lendo a obra de Onésimo Teotónio Almeida, filósofo e escritor incansável, leitor voraz como mostram os seus textos, e intelectual sempre disposto a participar na conversação que se faz no espaço público. Quem lê com atenção os seus escritos imediatamente percebe que há um quadro de valores que pauta o ângulo das suas análises e as suas avaliações. Para além disso, pode dizer-se que todos os seus textos, académicos e outros, têm, normalmente, uma estória ou piada; o humor está-lhe na massa do sangue. É alguém que está de bem com a vida, não lhe escapando, contudo, as sombras e ameaças do mundo que o rodeia; otimista inveterado, a esperança num futuro melhor nunca o abandona.
O último livro que publicou, com o título Diálogos Lusitanos. Com Portugal à distância [Lisboa: Quetzal Editores, 2024, 382 pp.] saído em setembro passado, é uma recolha de textos escritos entre 2016 e 2024 que o autor reuniu neste volume. Diz Onésimo Teotónio Almeida, no texto de abertura, com o título “Aviso ao leitor – para não perder o fio à meada”: “(t)odos os textos deste volume – sem exceção – foram escritos de encomenda” (p. 13), o que não significa, digo eu, que não haja uma unidade entre eles, como explicarei mais adiante.
Quem não está familiarizado com o autor achará curiosa a epígrafe, em que o escritor transcreve um texto redigido num estilo grandiloquente, empolado, pedante e rebuscado, daqueles que, ao terminar a leitura, perguntamos: para quê complicar tanto? Logo abaixo vem a razão de ser da citação; diz Onésimo: “(s)e o leitor gostou desta citação retirada de um texto publicado numa revista académica, então o presente livro talvez não seja boa leitura para si” (p. 9). A informação fica dada: a minha escrita é de uma clareza meridiana, não procurem aqui grandiloquências vazias ou o culto das sombras.
Ao ler o que acabo de referir, ocorreu-me imediatamente uma experiência pessoal, do tempo em que preparava o meu doutoramento. Lia, naturalmente, tudo o que me aparecia sobre o filósofo que estava a investigar, Emmanuel Lévinas. Um dia um amigo recomendou-me um longo artigo que um pensador francês de primeira linha tinha escrito sobre o meu filósofo; procurei o texto. Embora não primasse pela clareza, li-o e aprendi imenso. Pouco tempo depois veio-me parar às mãos um livro que incluía um ensaio do referido pensador sobre o meu filósofo; lancei-me empenhadamente na leitura. À terceira ou quarta página, porém, já tinha perdido o fio à meada, mas continuei. Pouco depois a escuridão era quase total, porque havia passagens em que eu não era capaz de perceber quem estava a falar, se o autor do ensaio, se o meu filósofo, se algum dos comentadores que, no entretanto, tinham sido chamados a liça. Quando cheguei ao fim do ensaio, fechei o livro e coloquei-o na estante; nunca mais lhe peguei. Não vale a pena tentar ler quem não está interessado em fazer-se entender.
Ora Diálogos Lusitanos está, estilisticamente, nas antípodas do texto gongórico da epígrafe; é um português de uma grande elegância, de uma clareza meridiana, de um rigor e profundidade notáveis; profundidade e clareza não são incompatíveis. O autor quer fazer-se entender, quer caminhar com o leitor no tratamento dos temas, no estudo de autores, na discussão dos problemas com um cuidado extremo para que quem o lê veja, sem dificuldades, os passos da caminhada. A isto chamo “respeito pelo leitor”.
Cada um dos textos do livro mostra a importância da comunicação clara; a necessidade de ouvir os outros com ouvidos de ouvir, como dizemos “olhar com olhos de ver”; de nos debates, não nos dispersarmos do tema em questão; de termos ideias claras e formulações rigorosas; de admitirmos que nunca estamos na posse da verdade; que debater é percorrer em diálogo caminhos na procura da verdade que, na sua totalidade, é inalcançável. Onésimo Teotónio Almeida nunca esquece que um debate não é um combate de boxe em que o objetivo é ganhar, se possível por KO.
O livro discute temas importantes como o da identidade, o lugar das humanidades na formação cultural da sociedade, tema tão pouco valorizado no nosso país; o “25 de Abril”; vários ensaios sobre figuras de primeiro plano da nossa literatura, como Pessoa, Saramago, Eduardo Lourenço, Antero de Quental, Rodrigues Miguéis, José Enes, Jorge de Sena, Virgílio Ferreira e Natália Correia. Os últimos quatro textos têm um cariz mais político e em todos eles o autor revela as suas preocupações com a hipótese – na altura em que os textos foram escritos ainda estávamos no campo das hipóteses – do regresso de Trump à Casa Branca.
No “Aviso ao leitor – para não perder o fio à meada”, o autor diz que “(n)a seleção de textos figuravam ensaios teóricos sobre axiologia, nome técnico que consigna a diversidade de temas relacionados com ética e estética […]. Esses ensaios forneceriam aos leitores mais exigentes um arcaboiço teórico que ajudaria a dar sentido a todo este conjunto diversificado de textos” (15). De seguida, o autor explica que decidiu não incluir esses ensaios para que o livro não ficasse demasiadamente volumoso. Em minha opinião, contudo, o último texto, que antecede os anexos, com o título “O neodarwinismo e as Fakes news – ou o super-homem de Nietzsche reincarnado num supermonstro” (295-315), desempenha bem esse papel porque fornece a grelha de leitura, a tábua de valores que o autor assume e pauta a sua obra e, concretamente, o tom dos diálogos e a discussão das ideias que o livro trata. Nele o leitor encontra os valores em que Onésimo Teotónio Almeida acredita e defende: os valores da Modernidade, tema sobre o qual tem escrito abundantemente.
José Henrique Silveira de Brito