‘’segredei-lhe baixinho
para que
ninguém ouvisse
que a amizade
curava todos os corações
doloridos’’
João Carlos Abreu
Viajar é colocar passos no mundo, espalhar a nossa voz e escutar as vozes de outros distantes lugares e neles podermos descobrir nos passos que damos, o ser que somos.
Falar de amizade e encontro, e o que representa na vida do poeta João Carlos Abreu, homem de afectos e emoções, que canaliza para formar um vasto núcleo de amizades, em que cada amiga/o, é um anel de ouro que ele vai colocando numa argola, juntando-as/os , amando-as/os, colocando sem parcialidade, numa abrangente união que ele nunca deslaça. Tem a rara qualidade do homem que não julga os outros, pelo contrário, ajuda-os e enaltece-os, qualidade rara nestes conturbados tempos de egoísmo e solidão.
Ao longo do tempo todos nós criamos amizades, muitas das quais que pensamos fiáveis, e que a certa altura, por uma qualquer pequena incompreensão, se desfazem, porque efetivamente não tinham a solidez e nem depositavam verdadeira e honesta partilha, tornando-as uma desilusão.
Outras há, mais recentes, que nos leva a pensar que o tempo perdido com as antigas, pena não ter estabelecido laços fortes com as mais recentes, e porque o tempo foge e nada volta atrás, não podemos resgatar esse perdido para investir nas que o presente no momento oferece.
Vem isto a propósito do festejo dos oitenta anos da Betty Henriques, no passado sábado, 22 de Março, casada com o Senhor Norberto Henriques, mãe de 4 filhos, e de cinco netas. Um dos filhos, o Gonçalo Henriques, é casado com a Katty, que a Betty adora, e considera a filha que não teve, e foi esta que quis fazer-lhe uma surpresa, e para isso convidou uma série de amigos da ilha onde vive, e outros vindos dos Açores, Continente e Canárias, oferecendo-lhe um magnifico jantar no Cipriani Reid’s Palace.
A Betty Henriques tem uma personalidade fascinante, e é de uma simplicidade e alegria que contagia, e dizem que o seu único defeito é gostar de viajar…
A sua generosa maneira de ser, caracteriza-se pelo cumprimento que faz: aproxima-se com um largo sorriso, a chinesa o olhar, tornando os olhos expressivos mais pequenos, estende ambas as mãos, como se fossem asas de pombas, coloca-as suavemente na face da pessoa amiga, diz uma frase ternurenta, e só depois deposita um beijo.
Uma maneira terna de acolhimento.
A nossa ligação com a Betty, naturalmente foi através do João Carlos Abreu, que vai urdindo essa rede de amizades, ora trazendo umas, ora as já feitas trazendo outras, sendo o João Carlos a dar a lista dos vários nomes das pessoas com quem a Betty se relacionava em S. Miguel, sendo convidadas através de um e-mail enviado pela Katty Henriques, fazendo questão da presença de todos nesse evento, e generosamente hospedando-os no magnifico The Vine Hotel, aliás, de que são os proprietários e dirigentes.
Comovente a recepção, quando a aniversariante se deparou com uma multidão de amigas/os que a abraçarão, e tal foi a comoção, que a sua tensão arterial subiu, e os seus olhos ficaram marejados de lágrimas de surpresa e alegria.
Valeu a pena a ida de todos para sentir tamanha alegria, e ver no olhar da anfitriã ir ao encontro de cada um, num profundo sabor e reconhecimento do gosto dos bons momentos que generosamente a vida proporciona esse estar entre pessoas que a amavam.
Sempre houve um grande intercâmbio entre os Açores e a Madeira, vindo do tempo em que Maria Mendonça, a residir no Funchal, e o jornalista João Silva Júnior, em S. Miguel, entre outras personalidades, lutaram por essa união de fraternidade.
Actualmente tem sido o Poeta João Carlos Abreu a continuar esse caminho, promovendo colóquios sobre literatura nos Açores, Funchal, Cabo Verde e Canárias, com dedicação e entusiasmo com a força dos seus 99 anos de idade.
Mas, antes de irmos para o aniversário da Betty Henriques, o José de Almeida Mello, um dos convidados, telefonou a uma conhecida e laureada poetisa madeirense, Irene Lucília de Andrade, amiga nossa, para nos encontrar-mos no Golden Gate para uma pequena cavaqueira.
Irene Lucíla Mendes de Andrade, ou simplesmente Irene Lucília, tal como assina os seus livros, ‘’é uma escritora, poetisa e artista plástica, natural da ilha da Madeira, e considerada uma das personalidades mais importantes da literatura contemporânea madeirense’’.
Nesse encontro, como sempre, veio à baila o nome de Natália Correia, de quem Irene Lucília foi amiga, e contactou com Natália Correia, as várias vezes que a poetisa e escritora foi ao Funchal.
Numa dessas vezes, e a convite de Maria Aurora 1, que também convidara David Mourão Ferreira, e outros intelectuais, apenas apareceu Natália Correia.
Contou-nos Irene Lucília, que presenciou o seguinte diálogo entre Maria Aurora e Natália Correia:
‘’MARIA AURORA: Natália, amando tanto a sua ilha, porque a abandonou, e se fixou em Lisboa.
Natália, fez uma longa pausa, e depois de meditar alguns segundos, disse:
‘’Eu digo da ilha o que dizia da mulher um homem apaixonado ‘’Ela trama-me mas eu amo-a’’
Acho esta frase extraordinária e muito sentida, e evidencia quanto Natália nunca deixara, desde muito pequena de sentir a ligação umbilical à sua ilha.
Temos a acrescentar que apenas, se encontrava na sala de jantar as três escritoras, Natália Correia, Maria Aurora e Irene Lucília de Andrade, a quem pedi se poderia relatar e publicar essa conversa, o que prontamente acedeu, dizendo-me que já a tinha mencionado há longos anos num programa de rádio.
No entanto, reportando-me à curiosidade de Maria Aurora, presumo que essa desconhecesse as circunstâncias em que levara Natália a ‘’emigrar’’ com a família para o Continente, e que pela sua idade não tinha voz na matéria, e apenas albergava no seu intimo, a dor de deixar o conhecido pelo futuro incerto.
Temos sempre o prazer de todas as vezes que nos deslocamos ao Funchal, de encontrar essas novas amizades, a Betty Henriques, a Irene Lucília, Nininha Jardim, João Carlos Abreu, Marcelino de Castro e o Sandro Abreu de Freitas, entre outros, onde nos irmanamos numa franca conversa e o riso aflora num límpido caudal de abertura e franqueza.
1 Aurora Augusta Figueiredo de Carvalho Homem (N. Satão, Viseu, 13 de Novembro de 1937- Funchal, Madeira, 11 de Junho de 2010), conhecida pelo pseudónimo literário Maria Aurora, foi uma jornalista, poetisa e escritora, e uma das mais populares figuras, juntamente com a açoriana Maria Mendonça, oriunda da Vila de Nordeste, S. Miguel, Açores.
Victor de Lima Meireles