Duarte Miranda, antigo vice-presidente do Royal Bank of Canada, açoriano de S. Miguel a residir em Montreal, colaborador regular deste jornal e uma das vozes mais inconformadas da diáspora, apresentou uma comunicação em Ponta Delgada sobre as oportunidades de investimento nos Açores para a diáspora açoriana. Segue-se o texto
A minha vida profissional levou-me, precisamente, a actuar, muito activamente, em questões de investimento – internacional como doméstico.
Não só através das minhas actividades na banca, durante cerca de 35 anos, mas, também, e talvez ainda mais, através das outras actividades económico-financeiras nas quais eu me envolvi, ao longo de muitos anos. Tanto no Canadá, onde exerci a maioria das minhas funções profissionais, como noutros países.
Destaco Portugal; outros países da Europa; os Estados-Unidos; o Brasil; o Chile; a Argentina; a Argélia; etc., os quais eu tive a oportunidade de explorar profissionalmente e de visitar – ou até, alguns deles, onde residi durante alguns anos – quer acompanhando clientes, quer colaborando com outras entidades públicas ou governamentais, particularmente canadianas.
Acompanhei alguns clientes em iniciativas de prospeção de mercados ou na busca de eventuais investidores; integrei algumas missões económicas internacionais, organizadas e lideradas pelo governo do Canadá.
Conselheiro para
a internacionalização
da economia portuguesa
Fui, ainda, durante alguns anos, conselheiro para a internacionalização da economia portuguesa no Canadá, nomeado pelo Ministério da Economia de Portugal, em agosto de 2004. Pro bono, acrescento!
Cheguei a ser alvo dos serviços secretos do Canadá, quando a minha actividade profissional me levou a colaborar com um Secretário da Embaixada da China no Canadá, responsável pelo comércio bilateral.
Naquela época, existiam muitas suspeições sobre as actividades da China, através de algumas das suas organizações e empresas para aceder e apropriar-se de segredos comerciais e industriais no nosso país. Aliás, suspeições essas que perduram, ainda hoje.
Menciono tudo isto – e desculpem-me se me alonguei – não para prestígio próprio, nem tão pouco por interesse pessoal: não tenho nada para vender, nem nada para comprar, particularmente aqui, no contexto deste colóquio.
Apenas quero, quiçá, acrescentar um certo elemento de credibilidade – um pouco! – àquilo que partilharei de seguida e, sobretudo, durante a nossa conversa.
Quando das minhas intervenções como Conselheiro para a internacionalização da economia portuguesa no Canadá, eu constatei uma grande dificuldade em atravessar as muitas reticências, por parte de vários indivíduos do sistema burocrático português daquela época, que nos viam, nós, conselheiros, como uma espécie de ameaça às suas próprias actividades profissionais, quando, na verdade, tínhamos sido nomeados e mandatados para os apoiar, para os ajudar a abrir novas portas de oportunidade e de investimento para Portugal.
Cheguei a sentir aquelas mesmas dificuldades, aqui mesmo nos Açores, quando em 2007, tinha ousado propor, sempre pro bono – ingenuamente, talvez… – o meu “know how”, a minha capacidade de conselheiro, a minha experiência profissional e como filho da terra, emigrado, e o meu apoio às entidades regionais, a começar pelo mais elevado nível do Executivo regional daquela época.
Encontrei cá as mesmas reticências!
Ainda hoje estou convencido de que desperdiçamos algumas oportunidades, em termos daquilo, alguns projetos, que poderíamos ter tentado levar em frente, e que teriam contribuído ao desenvolvimento económico da Região.
Havia, senti eu, depois de alguns encontros e reuniões, uma diferença de cultura… escamoteada, mas presente… Que incomodava!
Como se eu fosse um filho pródigo, tentando reaproximar-se…. Acredito que isso não se passaria hoje…
Açores num clima
de euforia
Os Açores vivem actualmente sob um clima de euforia, digamos, tanto por parte daqueles que nos descobrem, os turistas e outros visitantes, como por parte dos nossos próprios dirigentes políticos e empresariais, e, como, também, da própria população açoriana.
O progresso de desenvolvimento que temos vindo a conhecer, económica e socialmente, é bastante perceptível, e é real.
Podemos constatá-lo.
Obviamente – e isso o sabemos bem – que o despertar e o desenvolvimento do Turismo na Região foram os grandes responsáveis deste clima de euforia que se instalou. E, ainda bem!
Ao longo dos últimos anos a administração pública dos Açores tem sabido não só abrir as portas da nossa rica e única natureza ao mundo, como ainda criar condições de desenvolvimento económico que possam incentivar os de cá a aproveitar estas novas oportunidades, mas que chegam, também, a abrir os olhos a outros, vindos de fora, talvez até com uma certa curiosidade, e até mesmo com algum ceticismo.
Tudo não é um mar de rosas, eu sei!
Cabe ao poder público conciliar a oportunidade com os desafios socioeconómicos do dia-a-dia.
Aquelas e aqueles, quer na nossa diáspora, quer fora dela, que possam vir a reconhecer novas oportunidades para si próprios, levarão isso em conta.
Buscam a estabilidade, mais do que a aventura.
Eu sempre sinto muita pena quando me encontro com algum concidadão ou concidadã açorianos, emigrados há décadas, e que não puseram os pés na nossa terra, há décadas também.
Que não têm uma clara noção do que são e representam os Açores de hoje.
Muitos dos mais velhos, conheceram e conhecem, como imigrantes, para muitos delas e muitos deles, vidas difíceis, sacrifícios por vezes maiores do que aqueles que os tinham levado ao exílio.
Nenhuns conseguiram avistar, nem mesmo de longe, a famosa árvore das “dólas”. [As dólas que chegavam cá dentro de envelopes, naquele tempo, a que se referiu ontem Diniz Borges, não caíam das árvores. Eram fruto de muito trabalho, suor e até de muito sacrifício.]
Muitas daquelas pessoas, vivem numa certa ignorância, quando não de reticência, face ao que lhes escapou nestes anos todos, em relação ao caminho percorrido pelos nossos Açores e pela nossa gente de cá. É um sentimento de dúvida que chega a atravessar gerações.
Recordo-me que em 2008 eu tinha sido convidado a fazer uma pequena palestra na nossa Casa dos Açores do Québec, para tentar partilhar a minha percepção da situação económica, difícil e desafiante com a qual as nossas ilhas estavam confrontadas naquela época.
Seguiu-se um momento de trocas de conversa e de perguntas, após o que eu tive a dizer.
Uma senhora, mais nova do que eu, levantou-se e disse-me: “Eh senhô… ê quando vivia em Sã Miguel, eu nã tinha sapatos e andava descalça. Eles que s’amanhim!” .
Eu ainda hoje me encontro com aquela senhora, de vez em quando. Uma boa pessoa. Estou convencido que aquele foi um momento de desabafo mais do que rancor, misturado de muita nostalgia, senão de muita saudade…
Muito trabalho
pela frente
Em contrapartida, existem também por cá algumas pessoas que não vêem benefícios nem vantagens económico-financeiras quando o Governo Regional cultiva e promove certas actividades de aproximação com a diáspora.
Recentemente um cidadão açoriano, que eu considero muito influente, escrevia o seguinte numa rede social muito popular por cá:
“Qual o retorno das viagens [junto à diáspora]? Pelo que tenho visto são nulas pois não vejo emigrantes a investir nos Açores, excepto em habitações de veraneio!”
Mais de 100 seguidores aprovaram o comentário com um “LIKE”, e cerca de 70 apoiaram com o seu próprio comentário.
Isto a meu ver demonstra que temos trabalho pela frente, de parte e doutra do Atlântico…
Em Maio de 2001, o então Presidente da República de Portugal, Dr. Jorge Sampaio, declarava o seguinte, num discurso em Toronto:
“A pequenez das actuais relações económicas entre Portugal e o Canadá contrasta com a grande dimensão da economia canadiana e do espaço económico aberto em que Portugal se insere, mostrando assim que existem numerosas oportunidades para aumentar o comércio, o turismo e o investimento entre os nossos países…”
Porque trago eu esta citação, talvez até certo ponto ultrapassada e fora de contexto, em relação ao que tentamos alcançar através deste colóquio?
Parece-me que podemos aqui também sublinhar a pequenez relativa dos intercâmbios económicos entre a nossa diáspora, sobretudo a da América do Norte, e os Açores.
Pequenez esta que contrasta com o grande número de nossos concidadãos e seus descendentes que habitam aquela décima ilha.
O número e o valor dos investimentos nos Açores por parte de membros da nossa vasta diáspora são, de facto, relativamente modestos, levando, ainda, em conta as oportunidades económicas crescentes que os Açores têm vindo a oferecer.
O papel do
Governo Regional
Parece-me – mas estou disposto a dar a mão à palmatória, caso eu não tenha prestado bem atenção – parece-me, dizia eu, que as constatações ou afirmações deste tipo e deste porte, por parte dos nossos dirigentes políticos açorianos, diante de plateias de membros da nossa diáspora, têm sido pouco frequentes e, talvez apenas balbuciantes.
Cabe-lhes, cabe-lhes, insisto, subir de tom e ser mais convincentes!
Cabe ao Governo Regional dos Açores e às instituições públicas açorianas o peso e a obrigação de divulgar e de explicar aos açorianos residentes no estrangeiro o que mudou por cá… o que se está construindo… o pedaço destas ilhas que é deles também.
Deverão fazê-lo com o mesmo entusiasmo com que vêm laborando e investindo, ao longo das últimas décadas, para manter vivas, nas nossas comunidades da diáspora, a nossa cultura, o nosso património religioso e cultural, e as nossas tradições, algumas até que antiquadas, ao ponto de já terem sido esquecidas pelos açorianos de cá…
Eu por exemplo, gostaria de ter, pessoalmente, um melhor conhecimento dos planos e das ambições dos nossos dirigentes, eleitos e não só. Saber onde existem as oportunidades e as necessidades de investimento.
Em que áreas, em que setores: turismo e alojamento? na agricultura moderna? na construção civil? na gestão do nosso imenso ativo marítimo? nas novas tecnologias e economias digitais? no comércio? Quais? Sem dúvida que tudo isto existe.
Cabe agora divulgá-los, clara e seguramente, esses planos, desejos e ambições.
Eu gostaria, também, de ter visto aqui presentes, e participando na nossa conversa, representantes de empresas açorianas, pequenas, médias e grandes, de diferentes áreas e setores da economia açoriana, tanto quanto alguns dos que têm por mandato, ou por objectivo, ou, ainda, por ambição profissional o desenvolvimento económico dos Açores, partilhando connosco as suas ideias; as suas aspirações; as suas sugestões… a sua visão. A dizer-nos onde e como contribuir, de parte e doutra, criando uma cumplicidade inovativa. É por aí, acredito, que vamos chegar lá.
Eu falei há pouco daquela geração mais velha, a minha, que poderá ter perdido a noção dos nossos Açores de hoje.
Os mais novos, elas e eles, sabem e conhecem o que lhes tem sido contado, ao longo do tempo.
Esses são curiosos e aventureiros, mas, mais ainda, pragmáticos e empreendedores.
Muitos têm visitado as nossas ilhas, para férias, e vários prometem voltar.
Alguns até que se apaixonaram pelos Açores.
São pessoas mais jovens prontas a viver novas experiências de vida, novas experiências profissionais e de empreendedorismo. E, muitos deles, mais genuinamente do que os mais velhos, sonham com uma qualidade de vida mais sã e menos imprevisível.
São, geralmente, mais bem formados, cada vez mais delas e deles com cursos superiores, e ocupando profissões e cargos de relevância, ou donos de empresas de sucesso.
Esses, sim, estarão mais atentos desde que o discurso que lhes propõem seja claro e credível, e, sobretudo, transparente. Foram criados, rodeados daquele sentimento de saudade que tanto faz parte do nosso ADN açoriano.
Representam – estou convencido! –um terreno fértil para que seja plantada essa semente de oportunidades novas.
Dizia-nos, o seguinte, o Senhor Diretor Regional das Comunidades, no convite que nos foi endereçado para participar deste colóquio:
“Num tempo de profundas transformações globais, importa (re)pensar a diáspora açoriana, no quadro da sua situação atual e perspetivas futuras”.
É nesse contexto que tentei partilhar algumas das minhas ideias e reflexões que, quiçá, possam ter alguma pertinência neste nosso diálogo aqui.
Vamos arregaçar as mangas…. Vamos pôr o ombro à carroça!
por Duarte Miranda*
*Texto lido no colóquio “Pensara Diáspora”, organizado pela Direcção Regional das Comunidades, no Coliseu Micaelense