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Como os rituais religiosos nos ligam aos Ciclos Eternos

À hora em que escrevo, a Quinta-feira Santa está apenas a dois dias no futuro. Os católicos de todo o mundo preparam-se para vivenciar um dos rituais mais simbólicos da sua fé ao iniciar-se o Tríduo Pascal, os três dias mais solenes do calendário litúrgico. Nesta data, a comemoração da Última Ceia e o ato do Lava-pés dos discípulos não se limitam a simples formalidades. Funcionam como verdadeiras âncoras psicológicas. Ao participar nestes ritos, os fiéis encontram pontos de referência emocional e espiritual que os auxiliam a relembrar e a religarem-se com valores essenciais como a humildade, o serviço comunitário e a autorrenovação.
Do ponto de vista psicológico, estes rituais promovem momentos de introspeção e reflexão, contribuindo para o fortalecimento da identidade pessoal e coletiva. Esta sensação de continuidade que emerge dos atos cerimoniais – ao conectar os indivíduos a uma história partilhada – proporciona estabilidade emocional num mundo em constante transição e incerteza.
O «desnudamento do altar», por exemplo, amplifica a carga representativa do ritual, permitindo aos participantes processar, de forma estruturada, temáticas profundas, como a perda, a traição, a exclusão e a renovação.
Em contraponto à arrogância e ao orgulho excessivo – manifestados no conceito de húbris, que descreve a pretensão de alguém que se coloca acima dos limites humanos e demonstra ausência de humildade –, a solenidade dos rituais oferece uma experiência potencialmente terapêutica. Ao abandonar as máscaras do ego, os participantes encontram num ambiente ritualístico a oportunidade de experienciar uma humildade coletiva, funcionando como um mecanismo contagiante de bem-estar. Esta dinâmica promove equilíbrio, vinculação e um sentido de propósito e igualdade, tanto no âmbito religioso como num contexto secular.
A natureza cíclica dos rituais permite que os indivíduos experienciem o tempo de forma regeneradora, em contraste com a perceção linear e efémera do mesmo. Assim, práticas como a Eucaristia na Igreja Católica ou o jejum durante o Ramadão no Islame oferecem chances para a autorreflexão e a renovação espiritual. Enfatizado por autores como Émile Durkheim (1912) e, mais recentemente, por Victor Turner (1969) – que introduziu o conceito de «communitas» – tais práticas facilitam uma atenção plena e promovem o processamento de emoções em tempo real. O conceito de «communitas», como uma forma de anti-estrutura que emerge durante os rituais, move os participantes a experimentarem um sentido de igualdade e conexão que transcendem as hierarquias sociais normais. Muitos fiéis relatam que, ao vivenciarem estes momentos sagrados, sentem emergir sentimentos de altruísmo e modéstia – experiências que numa dimensão cognitiva ajudam a atenuar a ansiedade existencial.
De forma semelhante, festivais como o Diwali na tradição hindu – que celebra o triunfo da luz sobre as trevas – e as observâncias judaicas do Shabat ou da Páscoa Judaica criam instantes destinados à introspeção e à reafirmação da identidade, tanto ao nível individual como comunitário. Estes rituais, imbuídos de arquétipos – como a água, que simboliza a purificação e o renascimento no batismo católico, ou o acender de lâmpadas para celebrar o triunfo da luz – oferecem uma linguagem simbólica e persuasiva. Como Clifford Geertz (1973) argumenta na exploração da importância dos símbolos e dos arquétipos na construção do sentido cultural e pessoal, são símbolos que permitem a expressão de lutas internas e aspirações, promovendo um sentimento de unidade e propósito transcultural.
No mundo acelerado de hoje, os rituais ultrapassam a mera dimensão espiritual, funcionando também como pontos de ancoragem psicológica. Ao romper com as rotinas quotidianas e envolverem-se em práticas estruturadas, os indivíduos conseguem alcançar um estado de equilíbrio, de paz consigo próprios e coerência íntima. Estes ritos criam, assim, uma estrutura dentro da qual se podem processar emoções, reafirmar valores e restabelecer conexões interpessoais.
Contudo, a crescente ênfase moderna no progresso e na realização material pode, outrossim, obscurecer tais práticas de pertença e cooperação, levando a sentimentos de desconexão e incerteza existencial.
A revinculação experiencial com os ciclos de renovação através dos rituais surge, pois, como um antídoto psicológico para as pressões do mundo contemporâneo. Ao retomar e participar destas cerimónias, onde muitas pessoas redescobrem um sentido profundo de equilíbrio, propósito e comunidade – frequentemente após longos períodos de afastamento dessas práticas, elas sentem-se transformadas. Um ex-agnóstico com quem falo frequentemente, descreveu-me um dia este processo como uma reciclagem na visão do mundo e da própria personalidade.
Neste contexto, vendo-os numa ótica psicológica, os rituais não são meramente tradições imutáveis, mas condutas para a promoção da saúde mental, o fortalecimento da resiliência emocional e a coesão social.

Referências
Eliade, M. (1954). The Myth of the Eternal Return: Or, Cosmos and History. Princeton University Press.
Durkheim, É. (1912). The Elementary Forms of Religious Life. Free Press.
Turner, V. (1969). The Ritual Process: Structure and Anti-Structure. Aldine Publishing.
Geertz, C. (1973). The Interpretation of Cultures. Basic Books.

Manuel Leal

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