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As raízes evolucionárias da féna sobrevivência das sociedades

Dean Hamer (2004), geneticista molecular associado ao Instituto Nacional de Saúde, em Maryland, hipotesizou que a espiritualidade tem origem genética. O conceito do «gene de Deus» interessou cientistas e o público, sugerindo que um gene específico nos predispõe para a crença numa divindade superior. Esta noção foi posteriormente refutada de forma convincente. Ainda assim, a ideia de que a religião tem raízes evolucionárias continua sendo amplamente estudada. Embora a fé não esteja programada no nosso ADN, a predisposição para acreditar num Criador pode ter emergido através da cognição e da evolução cultural como um mecanismo adaptativo.
A incerteza existencial, desastres naturais e os desafios da vida primitiva podem ter levado os primeiros grupos humanos a encontrar conforto e coesão social por meio de crenças espirituais.
Justin Barrett (2004), psicólogo cognitivista e teólogo, argumenta que o cérebro humano está naturalmente programado para reconhecer padrões e atribuir intencionalidade a eventos naturais, o que pode ter favorecido a crença em seres superiores. Este fenómeno explica, por exemplo, por que nos predispomos a conceber agentes invisíveis por trás de eventos inexplicáveis – uma característica central de muitas tradições religiosas.
A tendência para interpretar regularidades e atribuir-lhes significado está amplamente documentada na psicologia cognitiva. Isto leva-nos a enxergar padrões até mesmo onde não existem, como ver rostos em objetos inanimados – um fenómeno conhecido como pareidolia. Tal propensão, essencial para a sobrevivência da espécie, ajudou os nossos antepassados a identificar perigos e oportunidades ambientais. Num mundo onde a vida dependia da correta interpretação dos estímulos ao seu redor, aqueles remotos pais da nossa espécie desenvolveram a tendência para atribuir causalidade a forças ocultas, levando-os a imaginar entidades espirituais. Como sugere Pascal Boyer (2001), a religião pode ter emergido como consequência dos mecanismos cognitivos voltados para a sobrevivência.
Além do conforto psicológico individual, a religião desempenhou um papel crucial na organização social. Robert Bellah (2011) descreve como as práticas religiosas evoluíram de formas tribais rudimentares para sistemas mais estruturados, à medida que as sociedades se tornaram mais complexas. Nos primeiros agrupamentos humanos, códigos religiosos manifestavam-se em tabus alimentares, ritos de iniciação e regras sobre alianças matrimoniais, promovendo a coesão interna. Em civilizações como o Egito antigo e a Mesopotâmia, a religião foi institucionalizada, e os seus princípios codificados em leis — como o Código de Hamurabi —, que regulavam a moralidade e reforçavam a estabilidade social.
A religião também funcionou como um elemento básico para a cooperação nas grandes sociedades. Joseph Henrich (2020),antropólogo e professor na Universidade de Harvard, postula que as crenças religiosas ajudaram a moldar normas sociais e fortalecer laços comunitários, incentivando comportamentos altruístas. O temor à punição divina, ou a recompensa na pós-vida pode ter sido um mecanismo efetivo para reforçar comportamentos pró-sociais e evitar a disfunção da ordem coletiva. Com a expansão das sociedades, a fé proporcionou um senso de pertencimento individual, promovendo também estruturas de governança e estabilidade a longo prazo.
Após a emergência do Cristianismo, nos primeiros séculos os seus seguidores eram torturados num espetáculo horripilante destinado a desencorajar as conversões. Apesar daquelas perseguições brutais sob o domínio romano, os cristãos mantiveram as suas crenças, com a convicção de que o martírio lhes garantia a vida eterna. Esta crença, em vez de desencorajar conversões, fortaleceu a identidade do grupo e contribuiu para a difusão da nova fé, que se tornaria dominante, eventualmente, no império romano. Estes factos históricos ilustram como a religião pode moldar a resiliência social.
Desde as crenças animistas dos caçadores-coletores até às religiões monoteístas contemporâneas, a fé tem sido um elemento estruturante na experiência humana. A sua refutação enquanto fenómeno puramente genético não diminui a relevância histórica. Ao contrário, evidencia a complexa interação entre cognição, coesão social e evolução cultural. A religião, sob as suas múltiplas formas, tem sido um pilar para a organização das sociedades, fornecendo conforto, estabilidade moral e um sentido de propósito num mundo incerto.

Referências:
Atran, S. (2002). In gods we trust: The evolutionary landscape of religion. Oxford University Press.
Barrett, J. L. (2004). Why would anyone believe in God? Alta Mira Press.
Bellah, R. N. (2011). Religion in human evolution: From the Paleolithic to the Axial Age. Harvard University Press.
Boyer, P. (2001). Religion explained: The evolutionary origins of religious thought. Basic Books.
Hamer, D. (2004). The God gene: How faith is hardwired into our genes. Doubleday.
Henrich, J. (2020). The weirdest people in the world: How the West became psychologically peculiar and particularly prosperous. Farrar, Straus and Giroux.

Manuel Leal

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