“Delenda est Carthago”.
Temos de estar preparados
“As ‘vítimas económicas’ da Pandemia foram as mais
propensas a dizer que as restrições foram muito severas, e
a mostrar-se mais cépticas quanto às intenções dos governos.”
O tema da semana: Cartago deve (tem de) ser destruída…
“Ceterum autem censeo Carthaginem delendam esse” (em latim, “Considero ainda que Cartago deve ser destruída”), foi uma frase muito popular na República Romana, no século II a.C., época das Guerras Púnicas (travadas entre Roma e Cartago), e usada pelos membros do partido político que pretendia eliminar qualquer ameaça à República Romana, nomeadamente destruir os velhos inimigos cartaginenses, derrotados duas vezes, mas que faziam um trabalho de reconstrução muito rápido após cada derrota militar. A frase simboliza uma política de aniquilação de todos os inimigos de Roma que a agredissem, e era repetida exaustivamente pelo senador romano Catão, o Velho (234-149 a.C.), que a usava sempre no fim dos seus discursos.
Trago-vos isto a propósito do artigo que a Baronesa Cavendish de Little Venice escreveu no “Financial Times”, e pelo qual inicio a crónica desta semana.
A autora confessa a sua irritação sempre que ouve dizer que a COVID-19 foi “uma pandemia adorável” (levezinha, uma gripezinha, como ouvimos por cá). Não está só nessa “irritação”: alguns “activistas do teclado” parecem não fazer a mínima ideia do quão duramente a Covid-19 atingiu muitas pessoas.
É óbvio que é normal querer seguir em frente.
Mas, também é evidente que é preciso “remoer” algumas coisas, pois no futuro teremos decerto outra pandemia. Já o escrevi, torno a escrever, e repeti-lo-ei: esta é uma certeza absoluta. Poderá ser dentro de poucos meses, ou dentro de alguns anos. Teremos. Só não sabemos quando.
Até aparecer a vacina, os decisores lutaram para lidar com uma situação sem precedentes: jovens sacrificaram períodos vitais do seu desenvolvimento, profissionais não podiam visitar famílias em risco, famílias não podiam visitar “os seus” em lares da terceira idade, trabalhadores essenciais arriscaram as vidas para manter serviços vitais a funcionar… isto, “enquanto a maioria dos decisores se sentava no Zoom”, para tomar decisões sobre a vida dos outros, escreve a autora.
Um estudo do “Conselho Europeu de Relações Exteriores” (2021) mostrou que, embora a maioria dos cidadãos sentisse que os decisores tentaram limitar o vírus, minorias significativas viram os confinamentos – e outras restrições – como sendo motivados pelo desejo de controle, escreve a autora. Isto foi especialmente verdadeiro em países do sul e leste da Europa, onde a maioria relatou ter sido “pessoalmente afetada” pela Covid (dois terços em Portugal, Polónia, Espanha e Hungria).
As “vítimas económicas” da Pandemia foram as mais propensas a dizer que as restrições foram muito severas, e a mostrar-se mais cépticas quanto às intenções dos governos. Mas, também os jovens foram muito mais propensos, do que os idosos, a referir terem sido gravemente afectados…
Nos EUA os Estados vermelhos (republicanos) foram mais rápidos a reabrir escolas e empresas do que os azuis (democratas). Alunos das escolas públicas dos Estados com tendência republicana tiveram 60% mais aulas presenciais, no ano letivo de 2020/21, do que os dos Estados com tendência democrata. Por sua vez, os republicanos tiveram muito maior probabilidade de morrer de Covid, sobretudo devido à menor adesão à vacina…
Durante a pandemia, homens e mulheres jovens passaram horas online sozinhos, a consumir conteúdo desgarrado. A internet é um cadinho para conspirações, e o seu trabalho foi facilitado pela forma como as autoridades atacaram quem questionava as proibições de viagens, o fecho de escolas ou se o vírus poderia ter sido resultado de uma criação de laboratório. As “Teorias da conspiração” florescem sempre em tempos de incerteza. Os decisores que tiveram de mudar as orientações sobre a Covid, em linha com as evidências, teriam feito melhor se tivessem admitido que nem sempre estavam completamente certos…
Na actualidade, a relutância em olhar para trás ignora dois grupos: os familiares enlutados, que foram forçados a abandonar os seus entes queridos nos seus últimos dias, incapazes de esquecer que os seus familiares possam ter desistido de viver, e que por isso desenvolveram stress pós-traumático. E, um outro grupo: aqueles que sofrem de “Covid longa”; esta situação debilitante é bem descrita por Kate Weinberg, no seu livro “There ‘s Nothing Wrong With Her” (Não Há Nada de Errado com Ela). A decisão de Weinberg de ficcionar a sua própria doença mostra o quanto a sociedade hesita em falar no assunto.
Muitas das consequências da Covid já são conhecidas. Desde os “lutos” às “reuniões por Zoom”. Mas, outras surgem com o tempo.
Precisamos estar atentos, se quisermos estar prontos para a próxima pandemia.
Precisamos analisar tudo o que fizemos: o que fizemos bem, o que fizemos mal, o que poderíamos ter feito melhor, e o que teremos de fazer na próxima pandemia.
Temos de estar preparados, desta vez, da próxima vez, para que não se repitam muitos momentos, como a polémica quanto ao uso de máscaras, ou o “Caso do Lar do Nordeste”. E, eventualmente, talvez decidir que os pullovers se devem tornar uma imagem de marca, de serenidade, na comunicação em crise.
Temos de preparar a próxima pandemia.
A homenagem da semana: à Cidade do Vaticano e a Roma
Em Ano de Jubileu (dos Peregrinos da Esperança), a Santa Sé e a cidade de Roma mobilizaram-se, de forma notável, para uma magnífica hospitalidade aos que participaram no Jubileu dos Adolescentes, que acabou por coincidir com o funeral do Papa Francisco. Tal como já acontecera com as Jornadas Mundiais da Juventude, em Lisboa. Preparar eventos desta natureza não é fácil. Requer muita preparação e planeamento.
Mário Freitas*
- Médico, Coordenador Regional da Saúde Pública dos Açores