As más notícias, normalmente, chegam sem avisar. Aquelas que dependem de ciências rigorosas e de cálculos supostamente infalíveis, talvez possam previstas. As desditosas, não.
E deu-se o caso do grande apagão ibérico da última segunda-feira. Chegou sem avisar, no meio do frenesim de um dia de trabalho. Em segundos, instalou-se a treva no país, no país vizinho, e outras zonas. Nos primeiros instantes pensava-se que fora na Europa toda, não fosse Putin brincar aos apagões, rezavam as teorias conspirativas.
Não havendo ainda muita informação, e por quanto tempo teriam os continentais de suportar tão grande constrangimento, logo no supermercado da esquina começava a corrida desenfreada às prateleiras, como se o que estivesse em causa fosse uma questão de sobrevivência. Vi, vias redes sociais, imagens de filas que serpenteavam corredores, e os carrinhos de compras cheios, como se não houvesse amanhã, denunciavam o pânico desta nossa civilização: o papel higiénico. Afinal, senhores, expliquem-me o stress com este cobiçado artigo?
Se em tempos ditos normais, há um código de honra que deve ser respeitado, ele evaporou-se com a falha da eletricidade. O primeiro português a alcançar o último pacote de arroz não hesitou em firmar sua posse com ambos os braços, indiferente à mãe de três filhos que vinha atrás e não teve a mesma sorte. O açambarcamento desenrolava-se como um espetáculo grotesco de egoísmo e de irracionalidade, e a visão das prateleiras vazias alimentava a sede dos jornalistas por informação fresca.
Não foi a fome que empurrou o povo para essa situação. Foi antes a falta de consideração e de educação pelo Outro, e o irónico foi que uma dúzia de horas mais tarde, a normalidade era restabelecida em quase todo o país. Blasfemou o Ventura, empertigou-se o Santos, nacionalize-se, disse o Bloco. O apagão cessou. As luzes voltaram. Mas algo mais profundo, mais preocupante, pairava no ar: até onde estaria disposta a ir a oposição para ganhar votos e tempo de antena?
O problema maior não é o mundo estar como está, mas a falta que temos de líderes equilibrados, responsáveis e comprometidos. É este o verdadeiro vazio.
Luís Soares Almeida*