“A mudança política ocorrida na Casa Branca está a gerar muita perplexidade lá e cá, mas mantém-se o mesmo sentimento de pertença e a proximidade entre os Açores e os Estados Unidos.”
Estamos a quinze dias do ato eleitoral.
Durante a pré-campanha as forças políticas candidatas têm sido parcas em discutir as grandes questões com que, presentemente, se confronta a humanidade, face à rutura nas relações comerciais e à mudança de paradigma na diplomacia norte-americana imposta pelo novo inquilino da Casa Branca. Não é possível afastar este tema do debate político.
Na Região Autónoma dos Açores, arquipélago-fronteira da Europa no Atlântico Norte – o tema é de relevância crescente, devido à anunciada intenção de Trump em desenhar uma nova arquitectura geopolítica mundial, absorvendo regiões com soberania própria no hemisfério norte.
Não se conhece nenhuma pública menção quanto ao que pretende e pensa a Casa Branca sobre os Açores. Todavia, a incerteza da continuidade dos Estados Unidos na NATO nos moldes em que funcionou até agora e que papel está reservado à Base das Lajes na nova geoestratégia militar norte-americana, geram fundadas dúvidas. De Trump que repentinamente muda de ideias e recorre a alternativas momentâneas para levar por diante os seus intentos de dominador esta zona do mundo, tudo se pode esperar.
Quem está atento ao desenrolar da política internacional depara-se, frequentemente, com comentadores de reconhecida competência a confirmarem a dificuldade de prever o que pretende o Presidente dos EUA e a sua equipa diplomática, tão ziguezagueantes são as linhas de atuação.
Perante esta indefinição é importante as autoridades regionais e nacionais procurarem respostas junto dos políticos e da administração americana sobre o que pensam da sua estadia militar nos Açores e da histórica e centenária presença diplomática, desde há 225 anos, em contínuo funcionamento, neste arquipélago. O consulado, o mais antigo do mundo, foi aprovado pelo Presidente George Washington, em 1795, devido à relevância dos Açores no tráfego marítimo com a França e no apoio à atividade baleeira dos EUA no Atlântico.
Vem desse tempo o surto migratório de açorianos para a outra margem do “Rio Atlântico” que hoje atingem cerca de um milhão de cidadãos e seus descendentes que fizeram daquele grande país a sua segunda pátria.
Este sentimento de pertença entrou na alma das gentes e construiu uma nova identidade, traduzida no hastear das bandeiras portuguesa e norte-americana em manifestações públicas e propriedades particulares lá e cá. Esses gestos denunciam o amor à terra em que nasceram e o agradecimento ao país onde melhoraram suas vidas e foram felizes.
A mudança política ocorrida na Casa Branca está a gerar muita perplexidade lá e cá, mas mantém-se o mesmo sentimento de pertença e a proximidade entre os Açores e os Estados Unidos. Seria um retrocesso que esses laços patrióticos se rompessem sobretudo para os emigrantes com dupla nacionalidade.
Os Açores do presente, ao contrário do que acontecia há umas dezenas de anos estão muito mais voltados para a Europa, devido aos financiamentos da União Europeia ao nosso desenvolvimento e ao corte dos apoios diretos dos EUA.
É verdade que a Fundação Luso-Americana (FLAD) apoia projetos bilaterais no âmbito da Ciência e da Cultura, mas importa que se discuta se esses financiamentos abrangem suficientemente, projetos de investigação nos domínios da exploração dos fundos marinhos e do espaço – áreas de aposta no nosso futuro desenvolvimento.
No domínio dos mares, onde a ZEE dos Açores ocupa parte relevante do território nacional e europeu, uma reflexão séria se espera dos candidatos a deputados, a quem compete zelar pela independência e soberania portuguesa.
Há dias o novo chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Nobre de Sousa, questionado sobre se a ZEE dos Açores estava especialmente vulnerável, respondeu: – “É uma área que tem um espaço marítimo de soberania, de jurisdição e responsabilidade nacional muito grande, onde temos de exercer a soberania.” E acrescentou: “Os Açores, recentemente, aprovaram legislação que criou áreas marinhas protegidas em 30% do mar do arquipélago. (…) Se o Estado declara este estatuto que vai condicionar determinado tipo de actividades, tem que ter capacidade de verificar e controlar aquilo que são as restrições e as limitações que impõe, sob pena de perder totalmente a sua capacidade de exercício de autoridade.”
Nobre e Sousa frisou que Portugal está numa zona nevrálgica, pela existência de cabos submarinos e existe um conjunto de potenciais contendores que procuram ganhar vantagens competitivas, desde logo ao mapear as zonas onde estão os cabos na “tentativas de interrupção ou de recolha de informação.”
Estas são também questões vitais para a segurança de Portugal, da Europa e de uma região geoestrategicamente importante, mas, simultaneamente, frágil e insegura como a nossa.
Poderia referir outros temas vitais para a nossa sobrevivência: o acesso aos cuidados de saúde, sobretudo nas ilhas sem hospital e a responsabilidade do Estado em salvaguardar esse direito constitucional, ou o envelhecimento da população e o preocupante decréscimo populacional.
Espero que os candidatos a deputados se apresentem como cidadãos cientes dos problemas das populações que pretendem representar e exponham com sentido de Estado as suas propostas e projetos.
Este é um momento único no virar da história humana. Sejamos eleitores e candidatos dignos da democracia, da liberdade e do Estado de Direito.
José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com