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“Dizer que sou açoriana é uma forma de homenagear os meus pais, os meus avós e todos os que vieram antes de mim”

Nesta entrevista com Suzanne Maria Cunha, presidente da Casa dos Açores do Ontário, mergulha com Rómulo Ávila, nas raízes profundas de uma identidade açoriana vivida à distância, mas sentida todos os dias no coração. Com palavras carregadas de emoção, Suzanne partilha o que significa ser açoriana no seio da diáspora, revelando o orgulho, a fé e os valores herdados da sua família, destacando a importância da juventude, da solidariedade e da preservação das tradições. Poucos dias antes do seu casamento, a presidente tem tempo para fazer um apelo à união, à memória e ao orgulho de sermos quem somos.

O que significa para si ser açoriana, mesmo vivendo tão longe das ilhas?
Ser açoriana é, para mim, uma parte essencial da minha identidade.
Apesar de estar longe fisicamente, trago os Açores no coração todos os dias. Dizer que sou açoriana é uma forma de homenagear os meus pais, os meus avós e todos os que vieram antes de mim. É um orgulho que carrego com respeito, como um tributo às minhas raízes e à cultura que me moldou.
É uma forma de afirmar quem sou e de preservar a ligação com a terra de onde venho.

Quando pensa nos Açores, qual é a primeira imagem ou memória que lhe vem ao coração?
A primeira imagem que me vem ao coração é a beleza única das nossas nove ilhas – uma beleza natural que não se encontra em mais lado nenhum. Mas, mais do que as paisagens, recordo com emoção as vezes em que fui aos Açores e vi a minha família à minha espera no aeroporto.
Esses reencontros, carregados de amor e saudade, são memórias que guardo com muito carinho. São momentos que me lembram o quanto as ligações familiares e afetivas são fortes e duradouras, independentemente da distância.

Herdou alguma tradição ou valor da sua família açoriana que procura manter vivo na Casa dos Açores?
Sem dúvida. A devoção ao Divino Espírito Santo e ao Senhor Santo Cristo dos Milagres é algo que herdei dos meus avós maternos e que procuro honrar e manter vivo.
As festas do Divino Espírito Santo, que celebramos na Casa dos Açores, têm para mim um significado profundo. Não apenas porque o Divino é o padroeiro da nossa Casa, mas porque, ao participar e organizar essas festividades, sinto-me espiritualmente mais próxima dos meus antepassados.
É como se, através dessas tradições, pudesse continuar a partilhar a fé, a esperança e os valores que me foram transmitidos.

Houve algum momento especial na sua vida em que sentiu, com mais força, o orgulho de ser açoriana?
Sim. Um momento particularmente marcante foi quando tive a honra de presidir ao Congresso Mundial das Casas dos Açores (CMCA), nos Açores, em 2024.
Estar ali, em solo açoriano, a representar a Casa dos Açores do Ontário, foi uma experiência profundamente emocionante. Senti um orgulho imenso em poder contribuir para o fortalecimento das ligações entre a diáspora e as nossas ilhas. Foi um reconhecimento do trabalho feito em comunidade e, ao mesmo tempo, um testemunho da força e da resiliência do nosso povo.

Qual foi o gesto ou iniciativa da Casa dos Açores do Ontário que mais a emocionou?
O momento que mais me tocou foi ver os jovens a participarem ativamente no CMCA 2024. Em especial, fiquei profundamente emocionada ao ouvir uma jovem da nossa Casa, que anteriormente tinha expressado críticas construtivas durante a conferência dos jovens em outubro de 2024, apresentar a sua reflexão final da semana – e fazê-lo em português.
Foi um momento de verdadeiro orgulho, pois percebi que o nosso trabalho estava a dar frutos. Senti que estávamos a cumprir a nossa missão de envolver, inspirar e dar voz às novas gerações.

Como é que a comunidade açoriana no Ontário se apoia mutuamente nos momentos difíceis?
Essa é uma questão delicada. Em algumas situações, conseguimos unir-nos e oferecer apoio uns aos outros, como deve ser. Mas, infelizmente, também existem momentos em que cada um segue o seu próprio caminho, esquecendo que a força da comunidade está na união.
Acredito que, sendo um povo que já enfrentou tantos desafios e alcançou tanto em terras estranhas, devíamos ser mais solidários. Devíamos recordar-nos de que o fracasso de um não deve ser motivo de alegria para outro.
Há espaço para todos brilharem e todos vencerem. O verdadeiro espírito açoriano é de entreajuda, não de competição.

“Apesar de todas as dificuldades e da invisibilidade que muitas vezes enfrentámos, conseguimos triunfar em países que não eram os nossos.”

O que gostaria que as gerações mais jovens nunca esquecessem sobre a cultura e o espírito dos Açores?
Gostaria que nunca se esquecessem que somos um povo de coragem, de fé e de perseverança. Apesar de todas as dificuldades e da invisibilidade que muitas vezes enfrentámos, conseguimos triunfar em países que não eram os nossos. Criámos escritores, poetas, doutores, agricultores – e muito mais. As nossas mulheres, mesmo sem formação académica, foram pilares das suas famílias, sustentando os lares enquanto os maridos emigravam. É fundamental que os jovens tenham orgulho nas suas origens e que não se deixem afetar por comentários negativos. Que procurem sempre compreender e esclarecer. Somos um povo de luta, de resistência, e nunca de desistência.

Há alguma história ou pessoa da comunidade que a tenha marcado profundamente?
Sim, há duas pessoas que guardo com muita admiração e respeito. Uma delas foi o saudoso senhor Adalberto Bettencourt, sócio fundador do Sport Clube Angrense. Admirava profundamente a sua entrega ao voluntariado, a sua inteligência e a sua vasta cultura. Mesmo nos seus 90 anos, continuava lúcido, com uma memória impressionante e uma vontade incansável de servir.
Outra figura que me marcou foi a senhora Maria de Fátima Freitas, sócia do Sport Club Lusitânia e da Casa dos Açores. Era o exemplo perfeito do que deveríamos ser como comunidade. Amava o seu clube com alma e coração, mas também apoiava outras instituições como a Casa dos Açores e o Amor da Pátria. Era inclusiva e respeitadora, e é esse espírito que gostaria de ver mais entre nós.

Se pudesse dizer algo diretamente ao coração dos açorianos que vivem espalhados pelo mundo, o que diria?
Diria para seguirem sempre de cabeça erguida, com orgulho e sem vergonha das suas origens. Se passaram por dificuldades, não foi por culpa da nossa terra, mas sim das circunstâncias da época. Orgulhem-se de serem açorianos e partilhem essa herança com os filhos e os netos. Contem histórias, transmitam tradições, cultivem esse amor pelas raízes. Somos um povo que merece ser celebrado – onde quer que estejamos.

Como gostaria que fosse lembrado o seu legado na Casa dos Açores do Ontário?
Gostaria de ser lembrada como a primeira luso-descendente a presidir à Casa dos Açores do Ontário com transparência, humildade e dedicação. Nunca usei o nome da instituição para promoção pessoal. Sempre valorizei e agradeci o trabalho dos voluntários, dos sócios e dos amigos. Procurei liderar com o exemplo, trabalhando lado a lado com todos, e não apenas aparecendo para as fotografias. Respeitei todos os que me antecederam e tentei unir gerações, criando um espaço seguro e acolhedor para todos. Nunca precisei de rebaixar ninguém para me elevar. E, acima de tudo, quero que saibam que sou Suzanne Maria Cunha, filha de pais açorianos, e que tenho um imenso orgulho em ser açor-descendente.

*[email protected]

Por Rómulo Medeiros Ávila,
Correspondente no Canadá

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