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Democracia Decente

Conceito de democracia decente, DD: quando o modelo político é composto por regras de democracia processual universal que garantem a efetividade real dos direitos e liberdades fundamentais. Eis a fórmula: DD = EDP1>49%+EDP2<50%, em que EDP1são elementos de democracia popular e EDP2 elementos de democracia partidária.
A democracia decente é cumprida através de duas formas: a) uma formal, quando pelas normas constitucionais está cumprida a fórmula antedita; é o caso de Portugal: o Governo e a Assembleia têm origem partidária, mas há um contrabalanço com o Presidente da República que é eleito pelo povo fora do contexto político. Ou seja: o sistema de governo português contêm elementos comparativos de eficácia entre o poder popular e o poder partidário. b) E outra material, quando pela prática histórica e cívica é possível que o EDP2 seja composta por governos de coligações com vários partidos; é o caso da Alemanha e outros países da Europa.
Ora, olhando o sistema autonómico dos Açores – percebe-se claramente que não é de uma democracia decente.
A autonomia política e democrática da atualidade é velha e caduca, triste e decadente.
Da sociedade açoriana são já conhecidíssimos os troféus negativos: “níveis de pobreza aviltantes e persistentes”, “envelhecimento e declínio demográfico acelerado”, “dificuldades financeiras estruturais”, “resultados medíocres em educação e qualificação” e “incapacidade na convergência com o país e a União Europeia”. A estes predicados temos de acrescentar outros conhecidos e de que ninguém quer falar: ausência total de meritocracia do funcionalismo público que traduz um funcionamento da administração pública medíocre, corruptivo, moroso e incompetente; ausência total de organização funcional vocacionada para a prestação de serviços ao cidadão; dirigismo meramente político e sem efetiva prestação de contas e menos ainda de transparência, e consequente funcionamento incompetente e onde os melhores são silenciados e até maltratados. Acresce também um mundo de despesas inúteis e defeituosas no registo da criação das leis de origem autonómica, na multiplicação de cópias da lei nacional sem quaisquer interesses regionais, incluindo a falta de textos jurídicos de qualidade nas técnicas da logística parlamentar e governativa; ou a gravidade do conceito da “autonomia resolutiva”, isto é, legisla-se mais através da resolução (e portaria) do que pela lei, com consequências devastadoras no ordenamento jurídico e com custos que são um desperdício autonómico, e assim se vão violando a Constituição e o Estatuto Político na fuga ao controlo da constitucionalidade e com resultados práticos estudados. A quem esquece a concentração e a centralização de toda a autonomia política numa única ilha?: tudo é muito mais moroso em sete ilhas do que antes de 1976 (em comparação proporcional); e como os ovos estão todos no mesmo cesto, numa situação de “apagão” vamos assistir ao desastre…
Na base de toda esta imagem real e triste da autonomia democrática está um facto evidente: as populações quiseram receber a novidade da autonomia política açoriana, mas não souberam cuidá-la e desprezaram-na em favor do metal pecuniário dos milhões de investimentos sem retorno civilizacional adequado. E os políticos, filhos dessa sociedade, receberam essa autonomia política como uma benesse, usando-a não raras vezes em seu próprio benefício, escondendo-se em quimeras reformistas que de reforma só tinham o nome e os diplomas impingidos de auto proclamação de grande sabedoria política. A fraqueza dos políticos é a imagem real do povo insular. E a autonomia política açoriana é também essa imagem social.
Isto «tudo, tudo, tudo» está assente num problema genético. O novo Estado Democrático que teve origem em 1976 ofereceu-nos uma autonomia envenenada: com medo do independentismo; com medo da elite insular tornar os insulares um povo escravo; com medo de os insulares usarem o poder soberano de criar leis violadoras duma Constituição moderna; com receios da novidade e do que com ela se pudesse desviar da democracia que se queria procurar na aproximação à Europa moderna; com tudo isso a Constituição, que nos elogiou e criou, esqueceu-se do mais importante: se estava em causa precisamente a democracia, por que motivo para o Estado lhe criou um sistema de governo que garante efetivo controlo político das políticas parlamentares e governativas de origem partidária?; e não criou modelo idêntico ao do Estado para a Região Autónoma? Se estava em causa sobretudo a democracia de um Estado decente, por que motivo para os direitos fundamentais dos portugueses criou um sistema de governo adequado?, e para os mesmos direitos dos insulares na Região não teve o mesmo cuidado?
A pessoa coletiva que é a Região Autónoma está doente. Tem vários problemas, todos os que acima assinalamos e tantos outros se revistos na especialidade de cada qual. Mas esses problemas existem, e sobretudo subsistem, porque a Região Autónoma não possui na Constituição portuguesa um sistema de governo condizente. Esse tipo de doença não é curável por si própria; só o será pelo sistema estrutural da democracia. Podemos alocar-lhe um novo coração; um fígado restaurado; um sangue de melhor qualidade; uma visão ultrassónica; uma cabeleira abundante. Tudo isso serão paliativos. São enganos a nós próprios. Só a democracia, a democracia processual, num registo de pesos e contra pesos dos órgãos de poder político, é adequado e suficiente para criar políticas democráticas e curar democrática e paulatinamente a sujidade democrática em que vivemos.
Dois factos inquestionáveis (em percentagens ilustrativas): o sistema de governo nacional tem 65% de componente política popular e 35% de componente política partidária; o sistema de governo regional tem 15% de componente política popular e 85% de componente política partidária. Essa realidade não é um simples problema; pelo contrário, é o mal de todos os males políticos, sociais e civilizacionais das ilhas. Dentro da democracia decente portuguesa – a Região Autónoma é uma democracia indecente e por isso decadente, continuamente.

Arnaldo Ourique

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