Edit Template

O Pico: A Ilha que Já Superou o Lugar Que Lhe Deram (II)Revisitar o Estatuto para fazer justiça ao território

Quando o território muda, a organização política não pode ficar para trás. O caso do Pico impõe a necessidade de reflexão sobre a atualidade do Estatuto Político-Administrativo dos Açores no século XXI, no contexto de uma autonomia que se quer progressiva.
A maturidade de uma Região mede-se, em grande parte, pela sua capacidade de reconhecer o mérito, de adaptar os seus instrumentos às realidades em mutação e de corrigir desigualdades estruturais herdadas de uma organização do território que já não reflete a dinâmica atual. Se algumas ilhas continuam, por inércia ou conveniência, a concentrar as sedes das decisões políticas, há outras que, com trabalho persistente, visão estratégica e afirmação sustentada, conquistaram o direito de ocupar um novo lugar. O Pico é, de forma clara e inequívoca, uma dessas ilhas.
Chegou o momento de reconhecer, sem subterfúgios nem paliativos, que a atual arquitetura político-administrativa da Região Autónoma dos Açores já não corresponde, de forma justa ou eficaz, à realidade das suas ilhas. Tratar o território arquipelágico como um corpo estático, onde os centros institucionais permanecem inalterados apesar da evidente redistribuição da vitalidade económica, da iniciativa social e da capacidade instalada, é perpetuar uma geografia política desajustada e profundamente assimétrica.
O percurso da ilha do Pico comprova essa necessidade de reposicionamento. Ao longo das últimas décadas, construiu uma presença sólida e respeitada no quadro regional, afirmando-se como elemento estruturante no equilíbrio do arquipélago. Mais do que uma ilha em crescimento, o Pico tornou-se um território com massa crítica, com dinâmica económica e social, com projetos de investimento concretizados e em curso, e com uma capacidade organizativa que se distingue pela consistência e pela clareza das suas escolhas estratégicas. O que aqui se vive já não é uma exceção ou uma promessa: é uma realidade firme, que impõe resposta institucional à altura.
Perante este cenário, já não basta o reconhecimento implícito ou o elogio circunstancial. Impõe-se um gesto político claro: a revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores. Criado num contexto histórico muito distinto, o Estatuto deve ser hoje repensado à luz da geografia funcional contemporânea do arquipélago. O que antes eram margens, tornaram-se motores. O que se considerava periférico, revelou-se central. E persistir na atual configuração será, inevitavelmente, permitir que a autonomia deixe de responder ao seu tempo.
Afirmar o papel do Pico dentro da hierarquia regional não é, por isso, um ato simbólico, mas uma necessidade de organização coerente do território. É garantir que o desenvolvimento em curso tenha os instrumentos adequados para se consolidar, que os serviços públicos acompanhem a realidade no terreno e que as decisões possam ser tomadas com proximidade, eficiência e responsabilidade. É reforçar a equidade no acesso aos recursos, na instalação de competências e na definição de prioridades para o futuro.
Mas nenhuma destas mudanças se concretizará se a Região não tiver a capacidade de se rever a si própria com lucidez e coragem institucional. Rever o Estatuto não deve ser visto como uma fragilização da autonomia, mas como um passo de amadurecimento político: um gesto de sintonia entre a lei e a vida real, entre o mapa e o território. O Estatuto é um instrumento — e como tal, deve servir, acompanhar e proteger a evolução das comunidades a que se destina.
O Pico, pela sua história recente, demonstrou amplamente que sabe construir, planear e agir. Organizou-se com inteligência, investiu com critério, posicionou-se com firmeza e conquistou reconhecimento. Não reclama favores nem exige exceções — apenas coerência entre o que já é e o que falta ainda traduzir em reconhecimento formal. Cabe agora à Região estar à altura desta evidência, com maturidade democrática, visão reformista e sentido de equilíbrio.
Chegou o momento de ultrapassar os receios e de abandonar definitivamente as hesitações. Rever o que está ultrapassado não diminui o projeto autonómico — fortalece-o. E se esse passo for adiado, não será o Pico que ficará para trás. Será o modelo político da autonomia que deixará de acompanhar os Açores de hoje — e, com isso, perderá a legitimidade para moldar os Açores de amanhã.

Jorge Alves Jorge *

  • Geógrafo
Edit Template
Notícias Recentes
Terra Nostra lança colecção de roupa Happy Cowllection
Arquinteto em concerto na Ermida de São Pedro nos Fenais da Luz
Chega exige transparência sobre dados do goraz nos Açores
Presidente da Assembleia Legislativa manifesta profundo pesar pelo trágico acidente ocorrido no Elevador da Glória em Lisboa
André Franqueira Rodrigues salienta “reforço do compromisso da Comissão das Pescas com as Regiões Ultraperiféricas no Orçamento para 2026”
Notícia Anterior
Proxima Notícia

Copyright 2023 Diário dos Açores