Edit Template

Refundar o Centro

As eleições legislativas nacionais de 18 de Maio vieram confirmar o que, para os mais atentos, já se vinha desenhando no horizonte político português: a ascensão da direita populista deixou de ser um epifenómeno irrelevante para se assumir como força organizada e com expressão eleitoral significativa. Este fenómeno integra-se numa tendência global de afirmação das direitas populistas, que têm explorado, de forma sistemática, o descontentamento social e a desorientação das democracias tradicionais em diferentes países. Este cenário, preocupante em qualquer democracia, adquire contornos ainda mais inquietantes quando percebemos que as forças democráticas tradicionais, à esquerda e à direita, e principalmente ao centro, se encontram desorientadas, presas a interesses internos e incapazes de apresentar uma resposta consistente e credível à vaga populista e autoritária.
A esquerda portuguesa, atolada em ideologias fracassadas e num discurso identitário fraturante, perdeu há muito o contacto com as aspirações reais das classes populares e médias. O culto do radicalismo socialista e a obsessão com as causas pós-modernas, frequentemente descoladas da realidade material das pessoas, contribuíram para alienar uma base social que outrora via na esquerda o garante das liberdades, da democracia plural e das conquistas civilizacionais do pós-25 de Abril. É tempo de a esquerda se refundar. De abandonar os devaneios ideológicos e regressar ao essencial: a defesa da liberdade de expressão sem reservas, da separação rigorosa de poderes, da liberdade de imprensa verdadeira e plural, do direito à diferença sem imposição moral ou censura social. Como aconteceu na luta contra a ditadura, precisa de cerrar fileiras como bastião da democracia, aceitando que o papel da esquerda, hoje, não é fazer a revolução, mas garantir que ninguém a destrua.
O Partido Socialista enfrenta hoje a necessidade de se recentrar, abandonando a deriva ideológica que, nos últimos anos, o afastou de uma posição moderada e responsável, historicamente decisiva para a estabilidade política e social do país. Esta opção à esquerda revelou-se desastrosa, não apenas para o partido, que perdeu parte da sua base eleitoral tradicional, mas também para Portugal, cuja governação ficou refém de agendas identitárias marginais e de um imobilismo estrutural nocivo. A liderança de António Costa, marcada por governação inconsequente e oportunidades desperdiçadas, agravou este cenário. A falta de uma política de imigração séria e estruturada, a recusa em enfrentar os bloqueios na administração pública, na justiça e na economia, e a incapacidade de implementar reformas estruturais, criaram terreno fértil para o crescimento de discursos populistas, integrados numa tendência global de afirmação destas direitas. É urgente que o Partido Socialista recupere a sua matriz reformista, respeitadora das liberdades e garantias, e se afirme como baluarte do regime democrático e do progresso equilibrado.
Mas se a esquerda enfrenta o seu labirinto ideológico, a direita moderada carrega o fardo da complacência e da irresponsabilidade estratégica. O erro crasso seria ceder à tentação de se encostar, sob pretexto de governabilidade ou conveniência tática, a forças políticas que têm como objectivo declarado causar o caos institucional e restringir os mais elementares direitos e garantias conquistados na madrugada de Abril. Mais do que responsável, a direita democrática precisa de se apresentar competente e moralmente exigente. E isso implica expurgar, sem hesitações, os vícios de uma proximidade histórica aos grandes interesses económicos, aos lóbis das sociedades de advogados, às cúpulas eclesiásticas e a um clientelismo que tantas vezes sufoca a verdadeira liberdade de iniciativa.
Casos como o da Spinumvida são campo fértil para que o populismo extremista cresça, porque degradam a já frágil imagem da política nacional e alimentam a narrativa de que os partidos do arco democrático não passam de meros gestores de interesses privados travestidos de políticas públicas. Esse caminho é, além de eticamente indefensável, politicamente suicida. Uma direita moderna e digna desse nome deve romper com estas práticas, assumir um compromisso inequívoco com a transparência e a meritocracia e recuperar a sua vocação reformista e patriótica.
O combate à direita populista não se faz com censura ou histeria moralista, mas com ideias claras, exemplos de integridade e competência, liderança visionária e a reconstrução de um espaço público onde o debate seja livre, civilizado e inclusivo. A democracia portuguesa não resistirá se as suas forças centrais continuarem a negar a necessidade de mudança profunda, de regeneração moral e política, e de um pacto democrático renovado, capaz de unir quem verdadeiramente acredita na liberdade, na ética republicana, no pluralismo e na dignidade da pessoa humana. O tempo de fazer de conta acabou. Agora, ou se reconstrói o centro democrático ou se abre caminho a um extremismo conservador e retrógrado. É tempo de resgatar a política como serviço público digno e regenerador, à altura das liberdades conquistadas e das gerações futuras.

André Silveira

Edit Template
Notícias Recentes
Foram descarregados em lota 1 048,61 toneladas de pescado no mês de Maio
Açores com reconhecimento internacional reforçado durante a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas
“Mulheres à conversa” visita a história de Angola
Lagoa marcou presença no Encontro Ibérico de Orçamentos participativos
Documentário sobre a Viola da Terra em estreia no Museu Carlos Machado
Notícia Anterior
Proxima Notícia

Copyright 2023 Diário dos Açores