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A mecânica parlamentar e a lei regional autonómica

“Em todo este historial vemos duas coisas distintas e significativas: não é verdade o apregoar constante e sem fundamentação da RAA sobre a centralidade do Estado.”

A Assembleia Legislativa, de acordo com notícia, deliberou que não realizaria, e não realizou, a sessão legislativa de maio porque estava nevoeiro. Haverá alguém que acredita nessa justificação. Dizem as más-línguas que os motivos são outros: para além sobretudo da canseira das eleições de 18 de maio, que mesmo assim retirou muitos votos à AD-PSD-CDS/PP, tinham que se preparar para as festas do Senhor Santo Cristo: é preciso aparecer para parecer. Mas há quem diga que esse não é esse o maior problema: o pior é quando voltarem, mesmo com nuvens e com nevoeiro, vamos ter de passar pelo maçador discurso parlamentar do nada, da promessa, dos feitos ao quadrado. E outra má-língua ainda diz que deveríamos antes propor uma nova norma a acrescentar ao Regimento Parlamentar, “sempre que faça chuva ou nevoeiro o Parlamento encerra as portas e reúne em Ponta Delgada pelo tempo necessário”. Assim, escusam se empenhar tanto; fica tudo na ilha maior, aí podem ficar a viver para sempre – enquanto os açorianos continuam a sonhar com um futuro diferente, mais autonómico e mais democrático e menor centralista.
A recente chamada de atenção da Provedoria de Justiça sobre a falta de regulamentação pelo Governo Regional da lei parlamentar sobre os apoios aos portadores de doença Machado-Joseph de 2023 (1) expôs a incompetência da Região Autónoma. E numa matéria tão significativa – já se imagina o que acontecerá aos assuntos mais simples. Não é coisa desconhecida porque nos muitos anos de investigação nessa área deram-nos motivos para publicar de várias formas muitos e variados exemplos, não só das leis comuns, mas também das leis fundamentais da autonomia política.
A lei regional de apoio a estes doentes, que nos Açores existem em número que justificam um tratamento específico nos apoios médicos e sociais, é de 1992 (2) e com regulamentação em 1993 (3). Mas eis que aconteceu algo estranho, veja-se em esquema
As leis regionais de I e II, uma cria e a outra regulamenta, a doença atribuindo apoios. A lei de III, (4) nacional, cria um conjunto de regalias para várias doenças, aparamiloidose familiar, a sida,a esclerose múltipla, a de foro oncológico, a esclerose lateral amiotrófica, a Parkinson,a Alzheimer e também a Machado-Joseph, e revoga algumas normas do lei de I e II. A RAA faz recurso de constitucionalidade junto do Tribunal Constitucional dessa lei de III e cria a lei de IV(5) para durar enquanto o Tribunal Constitucional estuda a diferença de regimes regional e nacional das leis de I/II com a de III; o Tribunal em V (6) dá razão à RAA e declara inconstitucional a norma da lei de III por ter revogada a lei de I/II. Ou seja, volta a estar em vigor na ato de V as leis de I/II. A lei de VI (7) revoga a lei de IV por estar caduca perante a salvação das leis de I/II pelo ato de V. Mas com a lei VII (8) a RAA cria um novo regime e revogou as anteriores I/II.
E é neste ponto que surgiu o parecer do Provedor de Justiça a reclamar a regulamentação dessa lei de VII porque a regulamentação de II está desfasada da realidade. E, até ao momento, o Governo Regional não produziu a respetiva regulamentação.
Em todo este historial vemos duas coisas distintas e significativas: não é verdade o apregoar constante e sem fundamentação da RAA sobre a centralidade do Estado. Eis um exemplo, entre tantos, em como o Tribunal Constitucional não tem quaisquer elementos de centralidade contra as regiões autónomas; como provamos isso mesmo num estudo recente com abrangência nos cerca de trinta mil acórdãos dessa importantíssima instituição para a democracia portuguesa. Em segundo lugar, se foi um erro a Assembleia da República não ter auscultado a RAA quando revogou uma lei regional bastando olhar à circunstância de que em Portugal foi nos Açores que se deu pela primeira vez atenção a esta doença e com uma lei de 1992, quando a lei nacional surgiu apenas em 2002; se foi, pois, um erro o Estado ter feito essa revogação, também é um erro, e grave, produzir um nova lei regional, revogando a anterior, e até hoje nunca ter sido feita a sua regulamentação. Dir-se-á que as coisas vão-se ajeitando e que os doentes continuam a receber os apoios; nesse caso, e se for verdade, significa que as pessoas recebem apoio ilegal, enquanto vão suportando os custas da autonomia sem que se façam os atos necessários à normalidade democrática. Salvo seja, se quem se queixou à Provedoria de Justiça também se queixar de apoios ilegais (embora justos), e isso pudesse provocar a obrigação da devolução de apoios recebidos. Já aconteceu em muitos casos nos Açores e de gritante injustiça e incompetência.
Em cinquenta anos de autonomia constitucional – a Região nem consegue fazer o mais simples, um mero diploma governativo desde 2023.

Notas:
(1) Decreto Legislativo Regional n.º 39/2023/A, de 23 de novembro.
(2) Decreto Legislativo Regional n.º 21/92/A, de 21 de outubro, Declaração de Retificação n.º 28/93, de 27 de fevereiro.
(3) Decreto Regulamentar Regional n.º 9/93/A, de 6 de abril.
(4) Lei n.º 90/2002, de 31 de agosto.
(5) Decreto Legislativo Regional n.º 20/2009/A, de 30 de novembro.
(6) Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/2011, de 21 de junho, com força obrigatória geral isto é, retira a validade das normas declaradas desconformes a Constituição, e repristina as normas das leis regionais revogadas, isto é, voltar a estar em vigor.
(7) Decreto Legislativo Regional n.º 27/2020/A, de 16 de outubro.
(8) A referida na nota 1 supra.

Arnaldo Ourique

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