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Marco Santos, Presidente da Delegação Regional dos Açores da Ordem dos Psicólogos Portugueses

“Continua a existir uma carência significativa de profissionais em áreas emergentes da Psicologia”

A Ordem dos Psicólogos Portugueses, tem como propósito regular o exercício
e o acesso à profissão de psicólogo e defender os interesses gerais da profissão
e dos utentes dos serviços de psicologia

A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), criada em 2008, é uma associação pública profissional que representa os profissionais em Psicologia.
Para além da responsabilidade de defender interesses gerais da profissão, a OPP tem como compromisso também de proteger os interesses dos utentes dos serviços de psicologia.
Actualmente, a Delegação Regional dos Açores conta com 625 membros efectivos com distrito profissional na Região Autónoma dos Açores.
O Diário dos Açores esteve à conversa com Marco Santos, Presidente Delegação Regional dos Açores, para conhecer um pouco mais da associação e perceber como a Ordem tem trabalhado e auxiliado nas problemáticas que têm marcado não apenas a vida de muitas famílias açorianas como do próprio quotidiano da região.

Qual é a principal missão da Ordem dos Psicólogos?
A missão da Ordem dos Psicólogos Portugueses, OPP, consiste em regular o exercício e o acesso à profissão de psicólogo, estabelecer normas técnicas e deontológicas, e exercer poder disciplinar sobre os seus membros. Adicionalmente, a OPP tem como responsabilidades defender os interesses gerais da profissão e dos utentes dos serviços de psicologia, oferecer serviços aos membros relativos à informação e desenvolvimento profissional, colaborar com entidades da administração pública na prossecução de objectivos de interesse público relacionados com a profissão, e participar na criação de legislação associada à profissão, bem como nos processos oficiais de acreditação.

Actualmente, quantos psicólogos se encontram registados na Delegação Regional Açores da Ordem?
No presente, contamos com um total de 625 membros efectivos com distrito profissional na Região dos Açores. Ainda contamos com 44 elementos juniores, que concluíram ou iniciaram o seu ano profissional júnior.

Como é que a Ordem actua para garantir os direitos dos Psicólogos, bem como para fiscalizar o bom cumprimento das práticas profissionais?
Por vezes, esta questão confunde quanto ao papel da OPP e o dos sindicatos e são várias as vezes que somos interpolados por colegas com diversas questões sobre as condições laborais.
As ordens e os sindicatos têm papéis e atribuições distintas, embora ambos estejam relacionados com a profissão de psicólogo.
A OPP é responsável por regular o exercício da profissão de psicólogo em Portugal, como já referido. Os sindicatos têm como principal função a defesa dos interesses laborais dos psicólogos, que inclui questões relacionadas com condições de trabalho, remuneração e direitos laborais.
De forma sintética, enquanto a OPP foca na regulação e normatização da profissão, os sindicatos concentram-se na defesa dos direitos laborais dos psicólogos.
Isto não inviabiliza que a Ordem não apele, por exemplo, à importância das condições do exercício da psicologia e as respectivas implicações dos riscos psicossociais a que determinado grupo de colegas possa estar sujeito.
Quanto à segunda parte da questão, a OPP exerce a sua função de fiscalização através de várias medidas e estruturas. Em primeiro lugar, a OPP é supervisionada pela Assembleia da República e pela tutela, o Ministério da Saúde, por meio da entrega anual de um Relatório de Actividades aprovado em Assembleia de Representantes. Além disso, o Estatuto da OPP prevê a existência de um Conselho Jurisdicional, com a competência de assegurar o cumprimento da lei e do Estatuto, emitir pareceres sobre propostas de alteração ao Estatuto e regulamentos, bem como instruir e julgar todos os processos disciplinares instaurados aos membros. Este conselho é responsável por garantir que os membros da OPP cumprem as normas e regulamentos estabelecidos.

Relativamente à integração dos psicólogos nas escolas açorianas existem, neste momento, profissionais em número suficiente ou permanecem as lacunas registadas em anos transactos no que respeita à falta de Psicólogos nos estabelecimentos de ensino?
Segundo a National Association of School Psychologists (NASP, 2020), o rácio ideal para uma intervenção psicológica eficaz em contexto escolar é de um psicólogo para cada 500 alunos. A Região Autónoma dos Açores destacou-se a nível nacional ao aproximar-se deste referencial, com a integração progressiva de psicólogos nas escolas a partir de 2001, o que permitiu, durante vários anos, alcançar rácios globalmente satisfatórios.
Actualmente, porém, coloca-se um novo desafio: uma parte significativa destes profissionais integra o grupo dos 48% de trabalhadores da administração pública regional que, segundo dados do Portal do Governo Regional, terão 60 ou mais anos em 2030.

Os Psicólogos podem trabalhar em várias áreas. Para além das áreas da saúde e da educação, em que outras áreas existe maior carência destes profissionais na região?
Apesar do reforço recente de psicólogos na Região Autónoma dos Açores, nomeadamente com colocações no Sistema Regional de Saúde, continua a existir uma carência significativa de profissionais em áreas emergentes da Psicologia. Uma dessas áreas é a saúde ocupacional, onde se torna cada vez mais essencial avaliar e gerir os riscos psicossociais, com vista à prevenção do stress laboral e do burnout entre os trabalhadores.
Estes riscos psicossociais estão frequentemente associados a fenómenos como o absentismo, desemprego, precariedade, incapacidade prolongada, diminuição do desempenho e desmotivação. A sua exposição continuada compromete não só a saúde física e mental dos profissionais, mas também a eficiência e qualidade dos serviços, contribuindo para o aumento de erros, acidentes e lesões musculoesqueléticas.
Assim, a avaliação e intervenção nestes riscos devem ser encaradas como uma prioridade, com vista à promoção do bem-estar psicológico no local de trabalho e à prevenção de quadros mais graves de sofrimento psicológico. Acresce ainda a necessidade de integrar psicólogos noutras áreas críticas, como a intervenção em crises e catástrofes, bem como em contextos sociais e comunitários, onde o seu contributo é igualmente determinante.

O aumento de consumo de drogas tem sido uma realidade bem patente nos Açores. A Ordem tem acompanhado este problema? Em sua opinião, que estratégias políticas deviam ser seguidas para se combater este flagelo?
A Ordem dos Psicólogos Portugueses tem vindo a acompanhar com preocupação o aumento do consumo de substâncias psicoactivas, sobretudo entre os jovens, e sublinha a importância de respostas eficazes para travar este fenómeno. Os psicólogos desempenham um papel fundamental, tanto na compreensão dos factores que levam ao consumo, como na promoção de estilos de vida saudáveis e protectores.

Ao nível das políticas públicas, é crucial apostar em estratégias integradas de prevenção e educação para a saúde, que incluam campanhas de sensibilização, programas de intervenção precoce e apoio psicológico direccionado a jovens e às suas famílias. A colaboração com os media pode também ser uma ferramenta poderosa para informar, sensibilizar e influenciar positivamente os comportamentos da população.
A presença de psicólogos em equipas multidisciplinares, actuando em escolas e comunidades, permite uma identificação atempada de jovens em risco e a implementação de respostas ajustadas. Neste contexto, não podemos ignorar dados preocupantes como a taxa de abandono precoce de educação e formação nos Açores (19,8%), que se relaciona com ciclos persistentes de pobreza e exclusão social. A intervenção deve começar o mais cedo possível, e os primeiros 1000 dias de vida — desde a concepção até aos dois anos — são amplamente reconhecidos como críticos para o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional. Garantir apoio nutricional, emocional e social durante este período é essencial para quebrar ciclos de vulnerabilidade e garantir um desenvolvimento saudável.
No que diz respeito à intervenção nas dependências, é igualmente necessário assegurar o acesso a serviços de saúde mental e apoio social, criando condições para uma abordagem multinível. Esta resposta deve ser intersectorial, envolvendo áreas como a saúde, a educação, a protecção social e a justiça. E os psicólogos são, frequentemente, os profissionais em comum nestes diferentes contextos.
Por isso, quando se aborda a questão dos rácios de psicólogos, é fundamental compreender que os números, por si só, não traduzem a complexidade das expectativas colocadas sobre estes profissionais. O verdadeiro desafio reside na forma como os recursos humanos são geridos: é essencial garantir uma organização eficiente, com orientações claras, definição de funções e uma articulação efectiva entre os diversos serviços. Mais do que a simples escassez de psicólogos, o que se evidencia é a necessidade de estruturas regionais mais coesas, integradas e estrategicamente alinhadas com os reais desafios das comunidades açorianas.

Cada vez mais constata-se a importância de se falar e tratar a saúde mental. Tem-se verificado um aumento na procura de profissionais ou ainda existem o estigma da “vergonha” por parte da população na procura de ajuda?
Desde a pandemia, a saúde mental passou a ocupar um lugar central no discurso público como nunca antes. No entanto, apesar do aumento da sensibilização e da procura por apoio, persistem desafios significativos, entre os quais se destaca o estigma ainda associado à saúde psicológica e mental.
Embora exista hoje um maior reconhecimento da importância de cuidar da saúde mental, muitas pessoas continuam a hesitar em procurar ajuda profissional. O estigma e os preconceitos sociais podem gerar sentimentos de vergonha ou culpa, dificultando o acesso a cuidados adequados e atempados. Os dados confirmam esta realidade: uma parte significativa da população opta por não recorrer a apoio psicológico mesmo quando enfrenta sofrimento emocional evidente.
Em muitos casos, a resposta é a automedicação — sendo os Açores a região do país com maior consumo diário de ansiolíticos — ou o recurso exclusivo ao apoio informal de familiares e amigos. Acresce ainda que, por razões culturais, os homens tendem a procurar menos apoio psicológico, muitas vezes por receio de serem associados à vulnerabilidade emocional, perpetuando o silêncio e o sofrimento.
Assim, apesar dos avanços, o estigma continua a ser uma barreira real e limitadora, que atrasa o início dos processos de recuperação e agrava o sofrimento individual e colectivo. Reduzir este estigma e promover o acesso à ajuda de um/a psicólogo/a deve ser uma prioridade contínua.
Esse é, aliás, um dos compromissos fundamentais desta Delegação Regional da Ordem dos Psicólogos: com o apoio dos meios de comunicação social regionais, continuar a investir na promoção da literacia psicológica e no bem-estar dos açorianos.

A pandemia e os seus efeitos prolongados acentuaram problemas de saúde mental. Que impacto isso teve nos Açores e como responderam os profissionais da região?
A pandemia de COVID-19 teve um impacto na saúde mental da população dos Açores, expondo e agravando desigualdades e vulnerabilidades já existentes. As consequências foram particularmente severas para crianças, jovens e idosos, sobretudo os que se encontravam em situações de maior fragilidade, como crianças ou idosos institucionalizados, crianças e jovens com deficiência, ou aqueles expostos a contextos de violência doméstica e dependências.
Perante estes desafios, os profissionais da região mobilizaram-se para reorganizar os serviços de saúde mental, adoptando uma abordagem centrada na equidade, na proximidade e na intervenção transversal. Houve um reforço relevante de psicólogos no Sistema Regional de Saúde, tanto nos cuidados primários como nos serviços hospitalares especializados. No entanto, é fundamental continuar a investir no aumento do número de psicólogos nas equipas de saúde mental e comunitária, com enfoque na formação e na intervenção psicossocial de base comunitária.
Simultaneamente, assistimos a um esforço acrescido na promoção da literacia em saúde mental e psicológica, com recurso a estratégias de comunicação pública e utilização activa dos meios de comunicação social. Estes esforços foram essenciais para sensibilizar a população, reduzir o estigma e fomentar uma cultura de prevenção e cuidado em saúde mental, que importa agora consolidar e aprofundar.

Qual tem sido o papel dos psicólogos nos Açores na resposta a situações de crise ou catástrofes naturais, dada a realidade sísmica e vulcânica do arquipélago?
Nos Açores, os psicólogos desempenham um papel fundamental na resposta a situações de crise e catástrofes naturais, tendo em conta a vulnerabilidade sísmica e vulcânica do arquipélago. Durante a crise sismo-vulcânica em São Jorge, a Delegação Regional da Ordem dos Psicólogos (DRA/OPP) acompanhou de perto a organização das respostas municipais e regionais no âmbito da intervenção psicológica.
Com base nessa experiência, a DRA/OPP elaborou uma proposta direccionada à Secretaria Regional da Saúde, que coordenava a Protecção Civil, para a implementação de um Plano de Intervenção Psicológica em Situações de Crise, Emergência e Catástrofe na Região Autónoma dos Açores.
Esta proposta assenta em três pilares principais: prevenção, intervenção e formação, fomentados pela colaboração estreita com entidades regionais. O objectivo central é responder às necessidades psicossociais da população afectada, incluindo vítimas, profissionais socorristas e equipas de emergência.
Entre os objectivos destacam-se a integração da intervenção psicológica como componente essencial das acções multidisciplinares em cenários de emergência, a valorização dos Primeiros Socorros Psicológicos e a criação de condições para garantir um suporte adequado tanto à população como às equipas de resposta. Adicionalmente, visa prevenir o aparecimento de problemas de saúde mental entre todos os envolvidos.
A coordenação da intervenção psicológica deve ser liderada por psicólogos, que se integram nas estruturas responsáveis pela gestão das crises, mantendo uma colaboração próxima com as demais autoridades de comando. A proposta também realça a importância da consultoria em comunicação, tanto a nível macro — para assegurar uma comunicação clara e eficaz com a comunidade e os meios de comunicação social — como a nível micro, directamente com os intervenientes nos cenários de emergência.

Ana Catarina Rosa

*[email protected]

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