Para o Osvaldo Cabral
a voz que ouço dentro de mim
quando a palavra aflora e sai da boca
para anunciar o som do vento
e a palavra urdida ser de milénios
repetida à exaustão e sempre renovada
som de trovoada emprestada em noites estreladas
- transformada música em meus ouvidos
ai a palavra que nos chega
na estruturada leveza da escrita
que envolve o pensamento a criatura
que de novo a cria
recria para uma nova vida
solta como uma poeira
a pousar nos mais recônditos lugares para ser escutada
pode ela espalhar amor ou ódio
levar à loucura e da loucura à guerra
apodrecer numa trincheira
onde luta e morre de inglória o homem
a palavra dada como ordem
como sentença a determinar o poder que ela tem
e o poder de quem a usa exercendo-a
sem olhar a meios que a sustêm
a razão que nem a pode ter
e condenar à morte e extinção de quem a não cumprir
a palavra acompanha o tempo
e nós nem passamos à eternidade
porque de nós nem a palavra retemos
e não seremos mais do que a voz do nada
e no entanto a palavra trilhará
pelos mesmos caminhos que chegou à babilónica língua
que canta fala e escreve toda a humanidade
onde o som ínfimo da minha voz também faz parte
Victor de Lima Meireles