Autonomia de cosmética
Um dos candidatos à presidência da República a eleger no início do próximo ano, Henrique Gouveia e Melo, disse na sua recente visita aos Açores, que Portugal seria um país sem importância sem os Açores e o seu Mar. Isto não é apenas conversa de candidato presidencial. É a constatação de uma realidade já muito debatida há muitos anos. Tanto na ONU como na EU, é cada vez maior a atenção dada a Portugal, derivada à sua enorme extensão marítima, oceânica, atlântica, sendo os Açores o maior contributário nesta área, com o seu milhão de quilómetros quadrados de mar.
Por outro lado, Salvador Malheiro, Secretário de Estado das Pescas e do Mar, afirmou na sua recente visita às Ilhas que “… não vejo com bons olhos qualquer alteração à Lei do Mar que vise diminuir as competências da Região Autónoma dos Açores – e é essa a possibilidade que está em cima da mesa…”.
Pelo meio de todas estas afirmações de boas intenções, existe os chumbos do Tribunal Constitucional, preferindo seguir uma linha de conservadorismo colonial, decidindo que qualquer participação dos Açores no SEU MAR é inconstitucional e atenta à soberania nacional.
Nunca percebi o que entendem como “soberania”, palavra que deriva de soberano, dono e senhor de tudo, suserania.
No pensamento moderno, a conceção de ‘soberano’ soa a caruncho nas ideias. Ninguém é soberano de ninguém. E ao contrário do que se possa querer fazer passar, as regiões de qualquer país provam que, quanto mais vasta a sua autonomia, mais unidade natural trazem na construção de centralidades democráticas. As autonomias só o são, quando praticadas com a voluntariedade de uma continuidade nacional, do todo geográfico que define e limita a geografia das nações. A prepotência da prática soberana, arrasta consigo todos os vestígios de uma ultrapassada nacionalidade forçada, exigida pela força das armas, se necessário e pela incapacidade de se estabelecer o equilíbrio na solidariedade territorial.
A Constituição portuguesa está ainda impregnada dessa incompreensão. É na variedade identitária dos povos e na sua voluntária adesão a uma unidade nacional que reside uma mais forte participação conjunta. A distribuição transparente, franca e sem medos, de todas as benesses provocadas pela riqueza geral, de todos os recursos, provoca maior bem-estar para todos. Governar a partir de interesses sociais dos povos, em vez de partidarismos ideológicos desusados, prova ser a única expressão democrática a seguir.
A prática constante de grilhões financeiros às Regiões Autónomas, só demonstra vontade de subjugar povos através do sufocamento económico. Asfixiar aos poucos as liberdades constitucionais concedidas aos territórios insulares. O Tribunal Constitucional tem sido, neste aspeto, um carrasco político para com a Madeira e os Açores. Essa mentalidade retrógrada tem de ser alterada e reprogramada para os tempos deste século XXI.
Nem Portugal é soberano, uma vez que está sujeito às restrições, ordens e cumprimento dos desígnios da União Europeia, às quais é obrigado a aderir através dos acordos assinados. Bruxelas é a capital de um colonialismo moderno e retocado, pincelado de democracias cosméticas (algumas dúbias). A inegável importância geográfica dos Açores, ao lado das outras Ilhas atlânticas, Madeira e Canárias, acabam por se impor em Bruxelas como Regiões de suprema importância para a unidade europeia, dispensando suseranias portuguesas ou espanholas. Valem por si mesmas.
É tempo de começarmos a governar em São Bento de acordo com as normas modernas da solidariedade dinâmica entre regiões continentais e insulares, a bem do fortalecimento e do futuro, bem como da sobrevivência de Portugal no mundo de hoje.
José Soares