No nosso dia-a-dia raramente nos apercebemos de que as palavras que usamos, argumentos que fazemos, ou conhecimento que manifestamos ocorrem de modo que se diria em «piloto automático», sem qualquer esforço consciente. Como se algo dentro de nós tenha o comando antecipado das nossas ações, ao qual reagimos como autómatos. Na realidade, segundo estimativas científicas, cerca de 90 por cento do comportamento humano é guiado por processos inconscientes. Isto inclui decisões, a execução de procedimentos habituais e até reações emocionais.
A ideia da mente inconsciente não surgiu com Sigmund Freud (n.1856–f.1939), não obstante ele ter sido o primeiro a sistematizá-la como núcleo da psicanálise. Muito antes, a partir do século XVII já se exploravam aspetos do procedimento da nossa espécie — que escapam à consciência racional —,referente à capacidade executiva e de reflexão.
Freud encontrou em Arthur Schopenhauer (1788–1860) uma base para o conceito de “repressão”, embora o filósofo não utilizasse esse termo no sentido desenvolvido pela psicanálise. Schopenhauer é considerado um dos maiores pessimistas da filosofia ocidental, devido à sua visão soturna da natureza humana, de que se não afastou o pensamento de Freud. Para Schopenhauer, a essência do ser humano não está na razão ou na moral, mas na vontade de viver — uma força irracional, incessante e inconsciente impelindo-nos a prevalecer. Ele observou que muitas vezes os indivíduos evitam encarar verdades dolorosas sobre si próprios e sobre o mundo para se protegerem do desespero.
Esta ideia antecipa a noção freudiana do impulso (Trieb), uma energia interna que nasce de uma excitação corporal e exige atenuação imediata. Freud reconheceu que Schopenhauer havia deduzido por intuição que a vontade atua muitas vezes contra nossa consciência. Mais tarde, Freud sistematizou esta força como o inconsciente, acreditando que ao reprimirmos desejos e pensamentos «ignóbeis» o objetivo é defender uma autoimagem aceitável — não por moralidade, mas por necessidade de autoestima.
Freud transformou esta intuição filosófica em teoria clínica. A repressão, para ele, é o mecanismo central do inconsciente, excluindo conteúdos inaceitáveis da consciência, que todavia continuam a agindo disfarçados nos sintomas, sonhos e outras manifestações. Freud reconheceu que ideias semelhantes já estavam em Schopenhauer, mesmo que ele tenha alegado não tê-los lido profundamente.
Eduardvon Hartmann (n. 1842-1906 f.), com a publicação do seu trabalho Filosofia do Inconsciente (1869), porém, foi a figura crucial na consolidação daquele conceito. A sua obra, que teve uma grade repercussão na Europa, ajudou a popularizar a ideia de que processos mentais instintivos (diferentes do instinto dos animais), sem reflexão, moldam profundamente o nosso comportamento. Freud estudou Hartmann, citando-o em A Interpretação dos Sonhos (1899), mas abandonou aquela visão metafísica e propôs aquele inconsciente dinâmico, estruturado por desejos reprimidos, conflitos psíquicos e mecanismos de defesa. Num contexto metafórico, usando como modelo um icebergue, a mente consciente é apenas a parte visível acima da água, enquanto a maior fração da massa de gelo está submersa. Esta parte oculta da mente — desejos, memórias e predisposições enraizados a um nível misteriosamente muito fundo do que constituímos como entidade biológica —, influencia de modo significativo o nosso comportamento.
O paradigma freudiano de Freud compreende três níveis: o consciente, o pré-consciente, e o inconsciente. A mente consciente consiste em pensamentos e sentimentos dos quais estamos cientes, enquanto o pré-consciente contém informações que podem ser facilmente trazidas à consciência. O inconsciente, a maior parte, é como um labirinto ou buraco negro a grande distância ou profundidade da realidade de que se possui agnição. Aqui residem — qual arquivo inacessível —as memórias, receios e desejos reprimidos que moldam as nossas ações e reações sem estarmos conscientes. O inconsciente é, pois, o dédalo estrutural do cérebro primitivo em termos evolucionários onde se escondem as máscaras do «animal selvagem» no âmago de cada um de nós.
Com base no trabalho fundamental de Freud, psicólogos investigaram o processamento inconsciente. Ao contrário do fundador da psicanálise, que se concentrou nas aspirações inconfessáveis, os psicólogos cognitivistas investigam como o cérebro lida com tarefas complexas sem que nos apercebamos. Por exemplo, quando se fala, na maioria das vezes não se pensa conscientemente nas palavras com que nos exprimimos. O cérebro dirige estas ações sem esforço, através do processamento da miríade sináptica em que as células comunicam fora do alcance da nossa compreensão.
Um conceito importante na psicologia é a «memória implícita», que influencia a conduta das pessoas sem que tenham consciência disso, desempenhando no encanto um papel decisivo na formação das ações individuais, desde o reconhecimento de rostos familiares até à realização de atividades habituais.
Recentemente, neurocientistas— como Daniel Kahneman e António Damásio — têm divulgado informações adicionais que nos iluminam mais o profundo impacto do processamento inconsciente. Produzindo imagens cerebrais e munidos de metodologias experimentais, psicólogos e outros cientistas através da prática profissional e no laboratório, descobriram que o cérebro do homo sapiens sapiens opera a vários níveis, simultaneamente. Isto reforça a realidade de que uma parcela significativa da atividade mental ocorre além de nossa consciência imediata, exercendo influência sobre os pensamentos, emoções e comportamentos. É possível que a inteligência artificial seja uma nova e potente ferramenta para conduzir o conhecimento científico nesta área muito além do que se sabe agora.
O construto de mente inconsciente revela, pois, a profundidade dissimulada dos processos mentais. Reconhecer atividade inconsciente da mente ajuda-nos a apreciar a complexidade do comportamento humano e dá-nos uma ideia do processo psicoterapêutico para lidar com desafios psicológicos.
Ao mesmo tempo, esta realidade tem implicações complexas em termos legais, religiosos, mesmo artísticos, de que se ocupam pensadores e profissionais na prática das ciências sociais, no direito e na medicina, tanto na investigação institucional como na conversa societal. Por exemplo, se somos guiados por roteiros ocultos, o livre-arbítrio não passará de uma ilusão que impomos a nós próprios para nos sentirmos «no controlo»?
Manuel Leal
*Data da primeira edição no idioma alemão, de que o título em português é uma tradução.