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Entre Muros e Memórias: A Nova Linguagem da Solidão Americana

Outrora, os Estados Unidos prezavam-se de ser uma espécie de jardim de alianças floridas, cultivado com promessas de liberdade, justiça e esperança. O século americano não floresceu apenas pela força das suas armas (se bem que essa foi uma parte importante), mas também pela confiança que inspirava — uma confiança moldada no sangue derramado na Normandia, nas pontes aéreas de Berlim e solidificada nas conferências de paz. Uma árvore frondosa sob a qual as nações do mundo encontravam sombra e sentido. Hoje, essa árvore é deixada a secar ao sol da indiferença. Com o segundo governo de Donald Trump, os Estados Unidos desfazem não apenas tratados, mas o próprio tecido da sua identidade internacional. A diplomacia tornou-se mercado, o aliado — um devedor, e o pacto — uma fatura.
Margaret MacMillan, no seu lúcido e melancólico artigo publicado na revista Foreign Affairs, “Making America Alone Again” lembra-nos que até os cavaleiros solitários precisam de amigos. Kissinger sabia disso, admirando Metternich, mestre das alianças improváveis. Roosevelt e Churchill encenaram esse princípio no teatro de uma guerra global. Trump — que governa mais como um magnata do cimento do que como um estadista — olha para o mundo como um portfólio a explorar: transações a fechar, dívidas a cobrar, ameaças a exibir.
A sua diplomacia é feita de rugas na testa e hashtags — beligerante com aliados, encantadora com autocratas. O Japão, a Coreia do Sul e até o vizinho amigável, o Canadá, são agora tratados com suspeita ou desprezo. O apoio mútuo, que caracterizou este relacionamento, é substituído por tarifas. A lealdade histórica, com Donald Trump, é permutada por exigências financeiras. O atual inquilino da Casa Branca, substituiu a continuidade pelo caos. Os aliados afastam-se com discrição. A França e o Reino Unido reinventam a dissuasão. O Canadá navega por novas rotas comerciais. A Europa ergue estruturas de autodefesa, ou, como vimos recentemente, curva-se. A confiança evapora-se.
Tal como a autora do magnífico ensaio para a Foreign Affairs nos diz, a história oferece muitos exemplos de alianças que ruíram — mas quase nenhum caso em que a potência dominante tenha, voluntariamente, desmantelado a arquitetura da sua própria liderança. A ordem internacional forjada no pós-guerra — com Washington como vértice moral e estratégico — está a ser desfeita — de dentro para fora. Afastando e desrespeitando acordos, insultos públicos, ameaças de abandono: a linguagem da grandeza deu lugar à linguagem da chantagem.
Este novo isolacionismo — mascarado de nacionalismo — não é expressão de força, mas de insegurança. Já não se trata de “arsenal da democracia”, mas de uma calculadora em mãos trêmulas. As alianças, mesmo as mais profundas, são revistas à luz de uma lógica empresarial corrosiva. Quanto custa? O que recebo? Até onde posso pressionar antes que fujam?
Porém, há custos invisíveis que se acumulam como frinchas em fundações antigas. O prestígio global, outrora inquestionável, agora vacila. A imagem da América como líder relutante, mas responsável, é substituída por um retrato inquietante: errática, vingativa, egocêntrica. Os rivais tomam nota. A China ocupa o espaço deixado pela hesitação americana. A Rússia estende a mão a aliados rejeitados. Os, outrora “parceiros fiéis”, olham para novas geografias de confiança.
A diplomacia, como bem notou MacMillan, é como um jardim. Exige cultivo contínuo, escuta paciente e respeito mútuo. Mas os jardins da América estão a ser deixados ao abandono — as flores da confiança murcham, as ervas daninhas da desconfiança crescem. Churchill cortejou Roosevelt, Kissinger voou para Pequim, Nixon soube recuar para avançar. A América de Trump esqueceu esse alfabeto. Ergue muros onde antes havia pontes e transforma aliados em reféns. Não é apenas uma mudança de política: é uma erosão da alma americana. E essa erosão ecoa além das fronteiras. A mensagem ao mundo é clara: não contem connosco. E o mundo, ainda que a contragosto, está a aprender essa nova gramática da deceção.
Quer queiramos, quer não, o século XXI exige cooperação — frente ao colapso climático, às pandemias, às guerras híbridas e à ascensão autoritária. A Grã-Bretanha aprendeu, há um século, que o isolamento esplêndido era ilusão dispendiosa. Voltou-se para a diplomacia. Donald Trump, porém, opta pela solidão. Não por necessidade, mas por escolha. E é essa escolha que marcará o ocaso de um império moral — antes mesmo que termine o seu poder material.
No final, acho que até mesmo os republicanos admitirão que, com esta postura, o slogan de tornar a América “grande” está na verdade a torná-la mais pequena: isolada na cúpula dourada do seu orgulho, esquecida nas mesas de decisão, irrelevante nos pactos que moldam o futuro.
A história lembrar-se-á desta curva na estrada, onde a maior potência mundial escolheu caminhar sozinha, não porque o mundo a tenha rejeitado — mas porque alguém dentro dela preferiu rejeitar o mundo. Como sabemos, ou deveríamos saber: quem apenas planta o seu próprio nome, esquecendo os amigos e os parceiros, colhe o silêncio da solidão.

Diniz Borges, nos EUA

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