Edit Template

Gripe Masculina

Lembro-me com se tivesse sido ontem, embora já tenham passado uns bons anos. Um certo Fevereiro, mês maldito e fértil em viroses, acordei não apenas constipado, mas atropelado por uma locomotiva de sintomas de gripe. Os olhos pesavam de tal forma que, ao andar, o corpo inclinava-se ligeiramente para a frente, como se a cabeça fosse uma bola de chumbo a puxar-me para o chão. O equilíbrio desapareceu e, de forma a compensar, arrastava-me pela casa em bicos de pés, como se fosse uma marioneta com alguns fios cortados. As dores de cabeça eram marteladas ritmadas dadas pelo próprio “Thor”, e a única estratégia que encontrei foi murmurar um prolongado “ahmm”, que, na melhor das hipóteses, reduzia a dor 1 %. Ponto percentual esse que era a única réstia de esperança. A tosse parecia sair das profundezas da minha alma, arrancada do meu corpo, e quando acontecia era acompanhada por uma lamúria final, própria de quem já não aguenta mais. Não acordei doente, acordei derrotado pela biologia. E, quando reuni as minhas últimas forças para pedir auxílio à minha esposa, ela olhou-me nos olhos e com serenidade respondeu: “Também não me sinto muito bem”.
Não queria acreditar! Precisava de alguém que me levasse ao colo, como um soldado ferido a ser retirado de uma batalha. O anúncio que também não estava bem, foi um murro no estômago. Eu estava muitíssimo doente, incapacitado pela gripe, arrastado para as profundezas e ela, em comparação, apenas doentinha.
Apelei desesperadamente que fôssemos às urgências, pois já não me encontrava capaz de sustentar o peso da minha própria existência. Insisti que fosse ela a levar o carro, não fosse acontecer-me um desmaio a meio de uma rotunda. Tinha a certeza, naquela altura, que algum tipo raro de gripe me tinha escolhido como hospedeiro. Uma variante da Peste Negra em forma de gripe. Um caso de estudo para a medicina que, por sorte, não tinha afetado a minha esposa, que parecia apenas carregar a versão banal e corriqueira do vírus. Nas urgências, tentei com todas as minhas forças baixar o volume das minhas lamúrias de forma a não destruir a minha reputação. Cada vez que tossia, soltava um “ahhhhi” muito baixo, que me deixava insatisfeito, tal era a vontade de lamuriar mais alto. Mesmo assim, consegui ver os olhares de pena dos doentes da sala de triagem. Claramente eu era o mais doente! Já estava convencido que tinha, de facto, alguma coisa especialmente forte. Enquanto me afundava cada vez mais, a minha esposa, firme, organizada, tratava da documentação e explicava aos médicos os sintomas.
Após um largo período, chamaram-nos, juntos, para dentro. Fomos sujeitos a alguns exames. A médica de serviço olhou para mim com espanto. Estava lavado em suor e pálido para além do fim da palete. Sem hesitar espetou-me logo com um frasco de medicação intravenosa, assustada com o meu aspeto. A minha esposa ficou ali comigo em pé, enquanto a solução atuava no meu corpo sentado. Estava grato por, finalmente, alguém ver a dimensão do meu sofrimento.
Chegam os resultados dos exames, são medidas as febres e…. a da minha esposa era bem mais alta. E tudo indicava que, em termos de carga viral, a dela era bem maior. Ela estava, objetivamente, mais doente. Trocaram um olhar entre elas, onde o revirar dos olhos simultâneo me atingiu como uma chapada! Mas a facada final foi quando proferiram em conjunto:
“Os homens não aguentam nada.”
Em cima da minha dignidade, riram. Riram as duas. E, como se não bastasse, a médica, em jeito de despedida, como quem dá alta a um caso clínico irrelevante, atirou: “Enfim…gripe masculina”
Nesse instante, jurei vingança! Ali, sentado com o cateter no braço, humilhado jurei vingar a raça dos homens humanos. Não podia deixar que fôssemos reduzidos a uma piada de consultório. Saí das urgências com um novo propósito: provar, com recurso à ciência, que algo está mal nesta história da gripe masculina.
Após anos de obsessão e infindável investigação o que encontrei, caro leitor, foi revelador:
A testosterona, hormona celebrada como símbolo da virilidade, afinal é um sabotador interno. Estudos mostram que atua como um calmante do sistema imunitário. Enfraquece as defesas e deixa a porta aberta aos vírus. Já as mulheres fazem batota! O estrogénio não só ajuda a inflamar na altura certa para expulsar o intruso, como ajuda na regulação e produção de anticorpos. Resultado? Recuperam mais depressa e com menos sintomas.
Muitas armas do sistema imunitário estão codificadas no cromossoma X. As mulheres têm dois, e os homens só um! Vão para a guerra com 2 metralhadoras; nós de corta unhas. Um exemplo: o gene TLR7, radar que deteta vírus. Nas mulheres, há o dobro da probabilidade de escapar à inativação. É como se tivessem um satélite de vigilância. Os homens… um rádio a pilhas.
Ah, pois, é! Ficar muito doentinho, atacadinho, choradinho e dorzinha afinal… afinal é d’Homem!
Não era apenas uma dramatização. Acho eu. O Homem Humano sai daqui vingado. Não sai? Havia ciência debaixo do ranho. Quer dizer…

Philip Pontes

Edit Template
Notícias Recentes
Blue Azores convidado a integrar grupo de trabalho da COP30 para a protecção do oceano
Ilha mais pequena do arquipélago promoveu oração pela paz juntando-se à intenção do Papa
Casas com piscina custam mais 35% em Ponta Delgada
Ordem dos Economistas promove debate sobre Finanças Públicas Regionais
Parque automóvel cresceu 43,4% na última década e já ronda as 190 mil viaturas
Notícia Anterior
Proxima Notícia

Copyright 2023 Diário dos Açores