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Mar de lágrimas

Em terras pequenas onde todos se conhecem, mesmo os forasteiros, um acontecimento trágico sobressalta a população.
O desaparecimento de um jovem, pescador de caça submarina, nas imediações do Farol da Manhenha, causou grande consternação em todos, também pelo contínuo aparato das entidades envolvidas vários dias nas buscas e salvamento, comandadas pela Marinha, em colaboração com a Força Aérea, Bombeiros e outras entidades.
A vastidão e características específicas dos nossos mares constituem grandes entraves ao desempenho de quem tem por missão responder a situações imprevistas onde estão em jogo vidas humanas. No caso vertente, com os meios existentes, fez-se o possível para resgatar o inditoso pescador, que se encontrava de férias com a família nesta Ponta da Ilha do Pico.
Melhor seria que meios de socorro e detecção mais eficazes houvesse: drones, por exemplo, que são utilizados em teatros do conflito entre a Rússia e Ucrânia. Esses equipamentos dariam também outros contributos em situações de paz. Esses equipamentos, porém, ainda não fazem parte dos meios utilizados por quem tem a responsabilidade da segurança marítima insular. Ao que parece, tardam em chegar.
Nos últimos tempos tem-se falado muito da necessidade de fiscalização e proteção das áreas marinhas protegidas dos Açores, que abrangem 30% dos nossos mares.
Para um leigo, como eu, valendo-me da tragédia ocorrida estes dias envolvendo a presença da única Patrulha Oceânica (Viana do Castelo) na costa leste do Pico, julgo não estar a ser feita a necessária fiscalização, atendendo a que a pesca do atum nos Açores foi cancelada. No entanto – dizem pescadores – as traineiras espanholas andam por aí, enchendo, impunemente os porões e não são fiscalizadas. O mesmo se passa com outros “negócios” que decorrem em alto mar durante o transporte de crude por navios com pavilhão de Malta, para fugir às sanções impostas pela União Europeia à Rússia.
Este conflito tem posto a descoberto as limitações e fragilidades de segurança dos países da NATO e a vulnerabilidade dos mares das nossas ilhas.
Ouvimos, frequentemente, os governantes afirmarem que no mar ganhamos projecção oceânica e geopolítica e nele depositamos fundadas esperanças num futuro promissor para quem habite nestes nove picos atlânticos.
Atingiremos, no entanto, esses patamares de progresso, quando soubermos aprender os ensinamentos que a História social e económica dos Açores nos legou.

  1. Na vertente marítima, a História insular revela-nos um legado importante que ora começa a ser investigado e divulgado em trabalhos académicos muito interessantes desenvolvidos em Universidades atlânticas, nomeadamente brasileiras. Esses contributos são preciosos, pois revelam não só a qualidade da construção naval antiga, mas a importância que as populações açorianas colocavam na mobilidade que proporcionava o desenvolvimento de trocas comerciais e a abertura a destinos de emigração.
    Durante décadas, o Arquipélago conheceu dificuldades imensas devido à falta de portos. O de Ponta Delgada (iniciado em 1861 e concluído em 1943) e o da Horta (iniciado em 1876 e inaugurado em 1910) foram durante décadas as únicas infraestruturas portuárias que permitiam atracagem dos navios da Insulana.
    O tráfego marítimo de mercadorias e passageiros realizava-se nos melhores ancoradouros das ilhas, sempre sujeitos às alterações atmosféricas que atrasavam ou cancelavam as operações portuárias. Valiam-nos os iates do Pico no grupo central e dos Parece no grupo oriental, que circulavam com alguma regularidade e pouca comodidade.
    Nunca é demais recordar os contributos que os iates Andorinha, Ribeirense, Chalupa Helena, do Santo Amaro, do Terra Alta, do Espírito Santo e até do graciosense Fernão de Magalhães – autenticas urbanas entre cinco ilhas que levavam e traziam pessoas e bens, num vaivém semanal, sem qualquer subsidiação pública.
    Não admira que, passadas algumas décadas, a introdução de transportes de passageiros e viaturas tenha produzido nos açorianos de menores recursos o desejo de conhecer outras ilhas e outras gentes, acompanhados de viatura própria. Abria-se uma nova era no transporte marítimo, dadas as condições de navigabilidade e conforto que os navios proporcionavam. Foi assim até à interrupção, alegadamente imposta pela pandemia, mas que não foi seguida nas viagens por mar entre a Madeira e Porto Santo.
    Razões financeiras, facilmente ultrapassáveis, foram invocadas. Todavia se os atuais governantes tivessem delineado uma gestão mais adequada do transporte de “ferries” teriam mantido esse serviço. Como, aliás, o PSD-A defendia no seu programa eleitoral de que fez letra morta. A imposição de um voto liberal acabou com esse tipo de transporte marítimo entre São Miguel e a restantes ilhas e ninguém mais, nem mesmo a oposição política, ousou levantar a voz de protesto contra o fim desse benefício que a tarifa Açores não se supera e ninguém sabe quanto custa ao erário público.
    Pelo contrário. Os ferries como transporte complementar, facilitariam o transporte aéreo da SATA, a redução de ACMIS e tornariam as férias dos açorianos mais baratas, mesmo com tarifas acrescidas, devido aos elevados custos praticados pelos rent-a-car. Estes, sim, foram beneficiados e muito. Basta ver o número de empresas criadas.
    Foi sobre tudo isto que se me queixou a mulher de um músico da Banda do Sagrado Coração de Jesus de Faial da Terra, que visitou esta semana a ilha do Pico, num intercâmbio louvável de ilhéus para ilhéus. Outros grupos e instituições tiveram oportunidade de conhecer as ilhas, fortalecendo os laços que nos unem nos bons e maus momentos.
    Infelizmente, há quem coloque em primeiro lugar o economês mesquinho do sabor do dinheiro e não valorize a açorianidade que se constrói na singularidade de cada ilha e no conhecimento da Alma Açoriana.
    E eu que julgava que no Faial da Terra ninguém se importava com o cancelamento dos ferries… Enganei-me, redondamente. É sangue do arquipélago açoriano que corre nas veias do povo!
  2. José Gabriel Ávila
  3. Jornalista c.p.239 A
    http://escritemdia.blogspot.com
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