Há tempestades que não chegam com trovões, mas com a lenta erosão da confiança. Não rebentam como ondas súbitas, mas infiltram-se como a água invisível que apodrece as fundações de uma casa. É assim que, aos olhos de milhões de americanos, a imagem de competência que sustentava Donald Trump começa a desfazer-se. Durante anos, muitos toleraram o que julgavam intolerável — a corrupção, as mentiras, até a sombra violenta de 6 de janeiro — porque acreditavam numa promessa: a de que, sob o seu comando, a máquina do Estado avançaria e as suas vidas melhorariam. Agora, essa promessa está a desvanecer-se como uma bandeira esquecida ao sol.
No artigo “Trump’s Unforgivable Sin”, publicado na conceituada revista The Atlantic, Peter Wehner e Robert P. Beschel Jr. descrevem, com precisão, o momento em que o encanto se quebrou. Todas as sondagens em pesquisas indicam que apenas um quarto dos americanos sente que as políticas de Trump os beneficiaram; metade afirma ter sido prejudicada; e, numa inversão cruel para quem se vendia como gestor eficiente, a sua taxa de aprovação entre independentes caiu para 29%. A corrupção, recordam os autores, pode ser perdoada por um eleitorado habituado à imperfeição dos políticos. A incompetência, não.
A economia, outrora o argumento mais robusto da sua campanha, tornou-se um terreno minado. Tarifas impostas e alteradas ao sabor do humor presidencial empurram os preços para cima, travam contratações e corroem o consumo. O Budget Lab de Yale calcula que cada família pagará, em média, mais 2.400 dólares este ano por efeito direto destas medidas, enquanto empresas como a General Motors somam prejuízos superiores a mil milhões. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, mesmo depois de se curvar ao Padrinho,alertou que estas tarifas ameaçam romper cadeias de abastecimento cruciais “em detrimento de empresas, consumidores e pacientes de ambos os lados do Atlântico”.
Porém, é fora dos gráficos e balanços que a incompetência se revela mais cruel. A desarticulação da FEMA deixa cidades devastadas por cheias e tornados à espera de socorro que não chega. Os cortes no Instituto Nacional de Saúde suspendem ensaios clínicos capazes de salvar vidas, como o de uma mulher com cancro em estado avançado cuja única hipótese de tratamento experimental foi adiada indefinidamente. O desmantelamento da USAID significa crianças mortas por malária na África Ocidental, órfãos com HIV sem medicamentos no Sudão, e um estudo publicado na The Lancet estima que esta política poderá custar 14 milhões de vidas até ao fim da década.
Wehner e Beschel lembram que, para derrotar este ciclo, os democratas precisam de mais do que estatísticas: devem narrar o impacto humano destas decisões. Contar as histórias das famílias que não sabem se o cheque da Segurança Social chegará a tempo para pagar o medicamento, dos agricultores que vêem as suas colheitas apodrecer por falta de mercado, das fábricas quase paradas após as rusgas do ICE. Humanizar o que hoje é tratado como mais um ruído na torrente noticiosa.
Donald Trump, escrevem, está “a destruir coisas numa escala quase inimaginável”, tal como Fitzgerald descreveu Tom e Daisy Buchanan no clássico O Grande Gatsby — “pessoas descuidadas” que esmagam tudo à sua volta e depois recuam para o conforto da sua indiferença. Só que agora, o cenário não é ficção: é um país real, com vidas reais, ferido por quem deveria conduzi-lo.
A América encontra-se numa encruzilhada. O pecado de Donald Trump não é apenas a corrupção, a mentira ou o autoritarismo. É a erosão calculada da competência — a incapacidade de governar com eficácia e benevolência. No convés deste navio, o capitão continua a sorrir para as câmaras enquanto o casco se abre. Mas o mar não perdoa. E o povo, quando acordar para a verdadeira dimensão do naufrágio, terá de escolher: afundar com ele ou procurar outro leme antes que as ondas fechem para sempre sobre a proa.