Cobardia social
Temos sido confrontados por estes dias com as impressionantes imagens de uma anomalia com forma humana a pontapear na cabeça uma mulher caída, enquanto um filho de nove anos suplica àquela anomalia para parar e este, numa indiferença desumanizada, continua nos seus atos de psicopatia. O caso chocou e continua a chocar o país, apenas porque desta vez temos imagens gravadas por câmaras de segurança. Casos análogos acontecem todos os dias, sob uma certa indiferença social, num povo que foi formatado social e religiosamente de que o homem é o dono da mulher:
“As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual é o Salvador. Ora, como a Igreja se submete a Cristo, assim também as mulheres se devem submeter em tudo aos maridos..” (Efésios 5:22-33).
Incutir durante séculos uma mentira que acaba por convencer, sempre foi uma tática usada por todas as religiões. Tanto mais que a leitura desta passagem de Paulo nos dias de hoje, tem levantado polémicas, ao ponto de a 24 de agosto de 2021, a Conferência Episcopal Portuguesa publicar uma nota de esclarecimento sobre o assunto, dizendo entre outras coisas que temos de compreender o contexto do tempo em que tal foi escrito. Ora se assim é, a Igreja é a primeira que terá de alterar tal texto e submetê-lo ao atual e moderno contexto.
A violência doméstica não para de aumentar nos Açores, apesar de tantas e cada vez mais instituições existirem ao serviço desta epidemia social.
As denúncias de violência doméstica nos Açores são muito mais e o número de processos que chegam ao Ministério Público são quase o dobro.
No final do ano passado, a Coordenadora do Ministério Público (MP) da Comarca dos Açores, Maria da Conceição Lopes, tinha anunciado que o número de processos de violência doméstica tinha crescido 10,5% no primeiro semestre de 2024, em relação ao ano anterior.
Maria da Conceição Lopes dizia que entre janeiro e junho de 2024, o MP já tinha registado a entrada de 1.089 processos de violência doméstica.
Já em 2023 os Açores eram a região do país com mais casos de violência doméstica, com mais de mil denúncias na Comarca dos Açores.
Durante 2024, a APAV apoiou diretamente, no país, 16.630 pessoas, num total de 105.747 atendimentos – somando um total de 31.242 crimes e outras formas de violência.
Estes atendimentos realizaram-se nos vários serviços de proximidade: Gabinetes de Apoio à Vítima, Equipas Móveis de Apoio à Vítima, Polos de Atendimento em Itinerância, Sistema Integrado de Apoio à Distância, Linha Internet Segura, Redes Especializadas e Casas de Abrigo.
2.537 atendimentos significaram o acompanhamento em Diligências Processuais e registou um total de 1.063 atividades formativas abrangendo um total de 35.624 participantes.
Atendeu uma média de 45 vítimas por dia.
Entre todos os crimes e outras situações de violência que chegaram ao conhecimento dos vários Serviços de Proximidade da APAV, o crime de violência doméstica continua a ser o mais prevalecente, representando 76% do total, seguindo-se dos crimes sexuais contra crianças e jovens (6,4%) e ofensas à integridade física (2,7%).
Durante este ano a APAV atendeu, por semana, uma média de 177 mulheres adultas, 66 crianças e jovens, 36 homens adultos e 33 pessoas idosas. A APAV presta apoio gratuito, confidencial e especializado a vítimas de todos os crimes.
Cabe a nós, cidadãos, denunciar casos de que tenhamos conhecimento e denunciar. É humanamente impossível controlar tal flagelo apenas pelas forças de segurança ou outras.
É dever de cada um de nós zelar pelo bem estar de todos e das crianças que assistem a tais atos animalescos.
José Soares