Quem cresceu nos anos 80 e 90 lembra-se bem do Onde está o Wally?. O desafio era simples e, ao mesmo tempo, viciante: encontrar, nas ilustrações caóticas e cheias de detalhes, aquele simpático personagem de óculos, gorro vermelho e camisola às riscas que o desenhador britânico Martin Handford nos apresentou em 1987. A graça estava precisamente em ele não se mostrar facilmente. O Wally estava lá, mas escondido. E era esse “esconder-se” que lhe dava graça, importância e até protagonismo.
Curioso, não é? Ser protagonista por não aparecer. Talvez o maior paradoxo da nossa infância. Hoje, olhando para os “Wallys” da atualidade, não posso deixar de soltar uma gargalhada irónica.
É que agora o fenómeno é exatamente o oposto: os novos Wallys parecem ter uma necessidade vital de aparecer em tudo. Seja numa story de Instagram, num post patrocinado ou numa selfie em qualquer evento com gente suficiente para render visualizações. Enquanto o Wally original tinha o charme da raridade e da paciência — obrigava-nos a procurar, observar e persistir — os Wallys de hoje vivem da exposição constante. Já não há mistério, não há desafio. Há apenas uma agenda de “aparições estratégicas”.
Mas, atenção, não confundamos: não está em causa aparecer. O problema é aparecer só quando convém. Porque quando o palco se enche de luzes favoráveis, lá estão eles, sorridentes, com frases feitas e pose ensaiada. Mas quando a coisa corre mal, quando é preciso assumir responsabilidades ou dar a cara em momentos menos instagramáveis, esses mesmos Wallys tornam-se mestres da camuflagem. Tal como o verdadeiro Wally, desaparecem. Só que ao contrário do original, não têm a mesma desculpa: não é para nos divertir, é apenas para não se comprometerem.
A ironia disto tudo? O Wally original marcou gerações precisamente por não estar sempre em todo o lado. Os Wallys modernos, com tanto esforço em aparecer, dificilmente deixarão memória. Afinal, carisma não se mede em likes, e importância não se constrói a publicar frases inspiracionais ao pôr do sol.
Eu cá continuo a preferir o Wally autêntico. O que, mesmo escondido, era herói. O que nos obrigava a parar, a olhar, a procurar. Os de hoje, esses Wallys digitais e hiperexpostos, podem continuar a desfilar em ambientes favoráveis. No fim, ficarão conhecidos apenas como aquilo que são: figurantes com mania de protagonistas.
Carlos Pinheiro